Com 70% dos votos apurados, vitória de Arce e Choquehuanca é confirmada na Bolívia. Por Michele de Mello

Atualizado em 20 de outubro de 2020 às 23:14

Publicado originalmente no Brasil de Fato

Por Michele de Mello

Luis Arce e David Choquehuanca são considerados os novos governantes da Bolívia, com 70% dos votos computados. – Reprodução

Na Bolívia, com pouco mais de 70% dos votos apurados, as autoridades eleitorais confirmam uma tendência irreversível de vitória no primeiro turno para Luis Arce e David Choquehuanca, do Movimento Ao Socialismo (MAS). A presidenta interina, Jeanine Áñez, e o segundo colocado nas eleições presidenciais, Carlos Mesa, da Comunidade Cidadã, reconheceram o resultado, assim como o secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro.

“Ainda não temos uma contagem oficial, mas com base nos dados de que dispomos, o Sr. Arce e o Sr. Choquehuanca venceram as eleições. Parabenizo os vencedores e peço que governem pensando na Bolívia e na democracia”, publicou Ánez no Twitter.

Já Mesa afirmou: “Agradeço de coração aos bolivianos que votaram no CC. Ao povo boliviano por seu compromisso democrático. Aos militantes e dirigentes do CC, aos nossos aliados: FRI, Primero la Gente e Chuquisaca Somos Todos. Temos que ser o chefe da oposição”.

A chefe da missão de observação da União Interamericana de Organismos Eleitorais (Uniore), Pamela San Martin, destacou a lisura do pleito.

O Parlamento do Mercosul (Parlasul) também avaliou a legitimidade do processo e divulgou um relatório preliminar apontando que estão “satisfeitos com o que viram”. Oscar Laborde, chefe da missão de observação do Parlasul, ainda assegurou que puderam comparar informações com outras comissões, como da União Europeia e do Centro Carter, menos com a OEA.

Pressão Internacional e popular

Há um ano exato das eleições de outubro de 2019, marcadas por falsas acusações de fraude, a historiadora boliviana Patricia Montaño Durán avalia que esse processo só foi respeitado por conta da pressão internacional. Ela destaca como, pela primeira vez na história, as Forças Armadas tutelaram as urnas e as principais cidades tinham contingentes militares.

“O país estava militarizado, tínhamos tanques nas ruas, barricadas na Praça Murillo [local da sede do governo], uma situação muito estranha para eleições democráticas. Apesar do medo, as pessoas saíram a votar. Agradecemos os meios de comunicação internacionais, os observadores que vieram, porque se não houvesse esta pressão e observação, talvez não houvessem reconhecido essa vitória e estaríamos novamente com uma convulsão social na Bolívia”, analisa Durán.

Depois de um processo considerado como um golpe de Estado e quatro adiamentos das eleições, o pleito é considerado uma conquista dos movimentos sociais e do povo boliviano, que organizaram uma série de manifestações e até uma greve nacional para exigir que as presidenciais fossem realizadas.

Novo governo

O sistema eleitoral boliviano não é automatizado, com a apuração manual o resultado definitivo deve ser divulgado na quarta-feira (21). Enquanto a posse do novo presidente deve ocorrer no dia 4 de novembro, segundo decisão do Senado.

Apesar da expectativa sobre como será a reação dos setores conservadores, do país e do continente, sobre o resultado final, os bolivianos já começam a pensar no novo governo do MAS.

“Essa vitória contundente é do povo boliviano e, em maioria, do povo indígena, porque somos um país indígena. As pessoas viram o que foi esse governo de direita, que foi nefasto para os bolsos, para a saúde e para a educação dos bolivianos. O que esperamos é ter novamente um governo mais amplo, democrático, que volte a instalar um processo de mudanças mais renovado, corrigindo erros que possam ter existido no governo anterior de Evo Morales”, destaca a historiadora boliviana.

Assim como Arce, que atuou como ministro de Economia e Finanças durante 13 anos, seu vice Choquehuanca também assumiu papel de destaque como chanceler na última gestão.

“Estamos seguros de que Luis Arce e David Choquehuanca vão defender nossos interesses como bolivianos. Choquehuanca é um intelectual indígena e nos dá muita esperança. É uma pessoa sábia, simples, humilde, muito admirável e muito respeitável. Assim como Luis Arce é um economista eminente, que gerenciou a economia do país”, afirma Patricia Montaño Durán.

América Latina

Na América Latina, presidentes de vários países felicitaram a dupla do MAS, tanto do campo da esquerda, como da direita.

O chefe de Estado peruano, Martín Vizcarra desejou êxitos na gestão e expressou sua “vontade de continuar fortalecendo as históricas relações de irmandade”.

Já o chefe de estado da Argentina, Alberto Fernández, que garantiu asilo político a Evo Morales, Álvaro García Linera e outros ex-funcionários do governo, celebrou o conquista. “A vitória do MAS não é uma boa notícia somente para aqueles que defendem a democracia na América Latina; é um ato de justiça diante da agressão que sofreu o povo boliviano”.

A vice-presidenta argentina, Cristina Fernández de Kirchner, afirmou “a Pátria Grande está feliz”.

O único chefe de um Estado, que faz fronteira com a Bolívia, a não se pronunciar até o momento é o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Já a ex-presidenta Dilma Rousseff comentou “Que a vitória sirva de inspiração as povos do nosso continente que sofrem sob regimes neoliberais e autoritários”.

O ex-presidente Evo Morales, em Buenos Aires (Argentina), comemorou a vitória e assegurou: “Mais cedo ou mais tarde, voltaremos à Bolívia. Isso não está em debate. E se há tantos processos judiciais, são parte de uma guerra suja, de mentiras, e não é a primeira vez. Então, é uma questão de tempo”, declarou em coletiva de imprensa.

Com o novo governo também se gera a expectativa de que as pessoas vinculadas ao MAS e a gestão Morales-Linera, que foram perseguidas pelo golpe, possam retornar ao país.

“Há muita gente inocente presa e isso é um abuso que foi cometido por esse governo fascista. Penso que primeiro deve ser instalado o novo governo e logo as pessoas que foram perseguidas poderão retornar ao país. Esperamos começar uma nova etapa, com perdão, com paz e harmonia, para que todos possamos seguir adiante”, analisa Durán.

Para a historiadora a votação expressiva do MAS é fruto de memória do povo boliviano sobre as últimas quatro gestões, e da influência política de Morales. “Muita gente votou por Evo, porque ele é um líder que deu sua vida à Bolívia. É uma pessoa que, com muita simplicidade e muito trabalho, criou um país melhor”, finaliza.

Edição: Marina Duarte de Souza