“Com a Lava Jato, Brasil serve de modelo do que não fazer no combate à corrupção”, diz Carol Proner

Atualizado em 25 de março de 2021 às 7:36
SÃO PAULO, SP, 24.10.2017: FÓRUM-SP – O juiz federal Sérgio Moro e o procurador federal e coordenador da Lava Jato no MPF, Deltan Dallagnol, no Fórum Mãos Limpas & Lava Jato, promovido pelo jornal Estado de São Paulo em São Paulo. (Foto: Jorge Araújo/Folhapress)

Publicado originalmente no RFI:

Por Elcio Ramalho

A decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou o ex-juiz Sérgio Moro suspeito no julgamento do ex-presidente Lula no caso do triplex no Guarujá deve ser vista como um alerta para o Brasil e para outros países sobre o combate à corrupção. A opinião é de Carol Proner, advogada, professora de Direito Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), que vê nas ações do STF e da operação Lava Jato um golpe na imagem já desgastada do sistema jurídico brasileiro.

Para Carol Proner, co-fundadora da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), a confirmação da suspeição de Moro no processo contra Lula é mais importante e abrangente do que a decisão do ministro Edson Fachin, na semana passada, de anular as sentenças do Foro de Curitiba, considerado por ele incompetente para analisar os processos contra o ex-presidente.

“Essa decisão, por maioria, entendeu que o habeas corpus é um instrumento válido e adequado para aferir a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro. Essa decisão reconhece finalmente que o ex-juiz e ex-ministro Moro no caso do tríplex, e de um modo geral extensivo aos casos, embora isso não tenha sido abordado na decisão, do ex-presidente Lula, não observou o princípio da imparcialidade de juízo, isto é, ele atuou com parcialidade e de alguma forma com intencionalidade na produção das provas ilegais, na condução dos processos, e interferiu em um resultado que pode ser considerado violatório sobre o princípio do justo processo legal”, observa.

“É uma decisão importante, que por um lado assegura os direitos próprios de um habeas corpus, dos direitos de liberdade do ex-presidente Lula, inclusive seus direitos políticos, mas também responsabiliza a violação de um princípio que define estruturalmente o pressuposto de um justo processo”, acrescenta Proner.

A decisão final da Segunda Turma do STF pela suspeição de Sérgio Moro em sua atuação como juiz no caso do triplex do Guarujá, no qual Lula era acusado de ter recebido o imóvel como resultado de corrupção, foi anunciada na terça-feira (22) após a mudança de voto da ministra Carmen Lúcia. O placar final foi de 3 a 2 contra Moro e a favor da defesa do ex-presidente.

“O que a Segunda Turma julgou foi uma questão processual básica, de existência do processo. Quer dizer, a partir de agora, os processos contra Lula, instruídos e julgados pelo juiz Sérgio Moro, não têm mais validade. Isso assegura ao ex-presidente, do ponto de vista político e da cidadania, toda a recuperação de seus direitos. É como se nunca tivesse sido julgado, como se o processo não tivesse existido, ou não devesse ser existido. Isso significa dizer que ele pode inclusive exercer a candidatura para a eleição de 2022 que é o impacto político mais aguardado, ou temido, dependendo do ponto de vista”, destaca.

Segundo a professora de Direito Internacional da UFRJ, as recentes decisões do STF contribuem para enfraquecer ainda mais a imagem já bastante desgastada da justiça do país. “O sistema jurídico brasileiro tem uma imagem péssima mundo afora. A imagem do poder judiciário por corrupção funcional de setores do sistema de justiça é muito comprometida”, garante.

“Alerta” para o Brasil e para o mundo

Carol Proner diz que os efeitos da operação Lava Jato são “terríveis” por ter destruído o tecido empresarial da construção civil e do setor de petróleo e gás sob o argumento legítimo do combate à corrupção. “Somos a favor do combate à corrupção, mas não destruindo a economia e a opção política de uma nação”, argumenta. As recentes decisões do STF favoráveis à defesa do ex-presidente Lula representam um alerta não apenas para o país mas para outras nações, no sentido de que o combate à corrupção é efetivo dentro do âmbito legal.

“É um grande alerta não só para o Brasil mas para o sistema internacional de combate à corrupção. O Brasil serve de modelo do que não fazer no combate à corrupção. É importante combater a corrupção com transparência, com autonomia da Polícia Federal e do Ministério Público, mas sem violar tratados de cooperação penal que vulneram a soberania do país”, afirma.

Segundo Carol Proner, países de economia mais forte e robusta vêem o combate à corrupção como uma estratégia regional. “Isso não é teoria da conspiração. A América Latina está percebendo que instrumentos de cooperação internacional podem servir como diferentes tipos de ingerência internacional na soberania dos Estados. No caso do Brasil, com a ajuda de funcionários que lesaram o interesse público, em favorecimento de interesses internacionais, ou até de interesses próprios e pessoais, é um grande alerta de que podemos estar muito vulneráveis. Precisamos de mecanismos para assegurar o cumprimento do combate à corrupção sem vulneração da soberania e da jurisdição nacional. Isso é o mais importante agora: refazer o sistema de combate sem vulnerar os interesses soberanos”, defende.

Além da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, Ongs e outras entidades da sociedade civil estão preocupadas com os efeitos que consideram negativos e preocupantes das ações da Lava Jato e da crescente judiciliação do sistema político do país nos últimos anos.

“A Lava Jato deixa um saldo muito negativo no sistema de justiça. Criou adeptos e também um grupo de procuradores e juízes que são contaminados por essa cultura autoritária da judicialização da política no país, que combina muito bem com sistemas autoritários austeros do ponto de vista econômico e político. O judiciário austero e autoritário é também consequência da política e da economia no mundo inteiro, não só no Brasil”, afirma.

“Há uma preocupação para que voltem a ser restabelecidos os cânones das garantias processuais constitucionais. Não podemos seguir a fenda do autoritarismo judicial e da judicialização da política. Essa é uma preocupação porque, infelizmente, o lavajatismo e seu saldo negativo desde 2014 provocou um efeito de autoritarismo judicial que não acontece só nos casos contra o PT ou contra a esquerda, mas de modo generalizado contra os mais vulneráveis da sociedade. É uma cultura que temos que combater”, conclui.