Com aval da ANS, planos médicos reajustam mensalidade em até 100%

Atualizado em 10 de janeiro de 2021 às 9:42
Dinheiro: notas de real. Foto: Agência Brasil

Publicado originalmente no site Brasil de Fato

POR CAROLINE OLIVEIRA 

Sueli De Vita Ares está travando uma luta com a SulAmérica Saúde após ver o seu plano médico reajustado em pouco mais de 100% em janeiro deste ano. Isso porque, em agosto do ano passado, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou a suspensão dos reajustes, por faixa etária ou anuais, por 120 dias, devido à pandemia de covid-19. Três meses depois, em novembro, no entanto, permitiu que o reajuste represado fosse cobrado, de forma diluída por 12 meses, a partir de janeiro.

Até dezembro de 2020, Ares, aposentada e com 59 anos, pagava R$ 4.192,58 pelo plano. Em janeiro de 2021, passou a pagar R$ 8.484,72. O novo valor corresponde à soma de R$ 3.541,22, (referente ao reajuste anual e o reajuste por faixa etária) com R$ 750,92 (referente à primeira das 12 parcelas em que foi diluído o reajuste de 2020, que havia sido suspenso no início da pandemia). Com a mudança, Ares tenta agora cancelar o plano de saúde.

Segundo Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), ainda que a suspensão tenha sido “benéfica” para os consumidores, foram dados apenas 120 dias. “No entendimento do Idec, essa medida precisaria valer pelo menos de março até dezembro, dando fôlego necessário para os consumidores se recuperarem”, afirma a pesquisadora.

Após a decisão da ANS em permitir a cobrança dos valores represados, o Idec entrou com um pedido de liminar na Justiça para impedir a recomposição dos reajustes referentes ao ano passado. A solicitação está em tramitação.

Planos de saúde lucraram durante pandemia

Na avaliação de Ana Carolina Navarrete, “os números do setor mostram que o mercado vai ‘muito bem, obrigado’ e que a pandemia gerou lucros para o mercado de plano de saúde. Ao contrário do que aconteceu com diversos outros setores.”

inadimplência caiu de 8% para 6% entre novembro de 2019 e novembro de 2020. No mesmo período, o mercado de plano de saúde saiu de 46,9 milhões de contratantes para 47,3 milhões de beneficiários em planos de assistência médica.

Somente no terceiro trimestre de 2020, as operadoras tiveram um resultado líquido financeiro, que é o lucro da empresa descontado todos os custos de exercício, de R$ 15,9 bilhões, diante de R$ 2,3 bilhões em relação ao primeiro trimestre; e de R$ 9,2 bilhões do terceiro trimestre de 2019, segundo dados da ANS. Paralelamente, Navarrete lembra que os consumidores tiveram perda de emprego e renda.

Frente a esse quadro, a pesquisadora acredita que não há justificativas plausíveis acerca da necessidade de recompor os reajustes. O pedido da liminar do Idec, nesse sentido, solicita a abertura de uma câmara técnica, com participação social, para que o setor traga a necessidade da recomposição.

“A agência tem divulgado boletins mensais sobre o desempenho do mercado e têm mostrado primeiro uma queda significativa na taxa de uso do plano. Embora as empresas digam que tiveram de atender os casos de covid, comprar equipamentos… Do outro lado, a economia foi muito violenta, porque as pessoas deixaram de acionar o plano, deixaram de ir a serviços de saúde, adiaram consultas eletivas não urgentes, com medo de se infectarem”, afirma Navarrete.

Somam-se a isso os benefícios concedidos pelo governo federal às seguradoras durante a pandemia, como a liberação dos ativos garantidores, um valor transferido para as operadoras para que tolerem os inadimplentes, e o adiamento dos prazos de atendimento. Antes, o prazo para realizar uma consulta médica era de sete dias; para uma consulta com especialista, 14 dias; exames, três dias úteis. Com a pandemia, esses prazos dobraram. “Ou seja, permitiu que as operadoras pudessem atender com mais demora os consumidores. Isso, sem dúvida, beneficiou”, avalia a pesquisadora do Idec.

O que a legislação diz sobre o assunto?

De acordo com Renata Severo, sócia do escritório Vilhena Silva Advogados, especialista na área de Direito à Saúde, o consumidor pode discutir os valores judicialmente a partir do momento em que reajustes abusivos são cobrados, que vão variar de acordo com o tipo de contratação e a faixa etária do consumidor.

Para contratos individuais, o reajuste anual é controlado pela ANS e não pode ser superior a 8,14%, como definido em 2020. Esse valor, explica Severo, não tem como ser questionado, porque já é determinado pela própria agência reguladora. Mas em relação aos contratos coletivos empresariais e coletivos por adesão anuais, não há uma regulamentação da ANS do limite que pode ser cobrado.

Logo, “a partir do momento em que o consumidor verifica que estão sendo aplicados valores muito elevados, sem justificativa por parte da operadora, pode discutir esses reajustes”, explica Severo.

Com relação aos reajustes por faixa etária, estes são previstos nos contratos com as seguradoras, mas devem seguir as recomendações da Resolução Nacional nº 63, de dezembro de 2003, da ANS, que define os limites dos preços por faixa etária para contratos firmados após 2003.

De acordo com o documento, existem três regras: “o valor fixado para a última faixa etária não poderá ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária; a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não poderá ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas; as variações por mudança de faixa etária não podem apresentar percentuais negativos”.

Mas, novamente, “isso não quer dizer que não podem ser questionados pelo consumidor a partir do momento em que verifica essa abusividade”. Isso porque, em relação aos reajustes acima de 60 anos e aos 59 anos, em contratos individuais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em 2018, que é preciso comprovar a necessidade de reajuste, haver previsão contratual e não onerar excessivamente o consumidor, como é o caso de Sueli de Vita Ares. Sobre os contratos coletivos, o tema do reajuste por faixa etária ainda está em discussão.

Há também a Lei 9.656, que dispõe sobre os planos de saúde no Brasil, cujo entendimento é que aos consumidores há mais de 10 anos no plano de saúde não podem sofrer reajuste após os 60 anos.

Dificuldades de cancelamento

A aposentada Sueli De Vita Ares também acusa a SulAmérica Saúde de dificultar o cancelamento do plano de saúde. Com o aumento da mensalidade, Ares tenta cancelar o contrato por meio de telefonemas e e-mails, que não têm sido respondidos pela empresa.

Outro lado

Brasil de Fato entrou em contato com a SulAmérica Saúde e a ANS para comentar os reajustes. Até a publicação da reportagem, no entanto, não houve nenhum retorno das duas.