Com Bolsonaro e Witzel, o Rio se tornou um campo de concentração com snipers à espreita. Por Donato

Atualizado em 18 de fevereiro de 2019 às 13:03
A torre da Cidade da Polícia, de onde os tiros teriam partido

Em uma das cenas mais impactantes do filme “A Lista de Schindler”, um comandante nazista levanta da cama pela manhã, abre a janela de seu quarto e, como quem pratica tiro ao alvo por mera diversão, dispara aleatoriamente contra prisioneiros de um campo de concentração que estavam submetidos ao frio e a fome, obedecendo ao lema “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”), instalado nos portões daquelas sucursais do inferno.

Desde o ano passado a comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, vive algo semelhante ao que de pior ocorreu durante a Segunda Guerra.

Uma torre da Polícia Civil instalada na Cidade da Polícia é provavelmente a base de atiradores que têm disparado – e assassinado – moradores inocentes da comunidade. Pessoa indo ou voltando do trabalho, dirigindo-se à farmácia ou padaria tornaram-se alvos ambulantes de snipers sádicos.

Na data de hoje (18) a torre, que fica a míseros 250 metros de distância de onde aconteceram as mortes, passará por perícia da própria Polícia Civil carioca. A solicitação foi feita pela Defensoria Pública após vários relatos de moradores que testemunham “tiros vindos do céu”.

Uma comitiva da ONG Human Rights Watch no Brasil visitou Manguinhos no início deste mês e observou uma comunidade que vive sob medo constante em que um cenário macabro.

Marcas de bala e manchas de sangue fazem parte do cenário no largo de que tem um pequeno comércio, boa visibilidade desde a torre da polícia, e onde frequentar tornou-se uma espécie de roleta russa.

“É preciso uma perícia, mas todos os depoimentos coincidem. A comunidade fala em snipers porque são tiros certeiros, então tem a convicção de que vem da torre da polícia com orientação certa. É muito grave que o Ministério Público não tenha nem conhecimento das mortes ocorridas”, disse a advogada Maria Laura Canineu, diretora da ONG.

O que se está presenciando é o discurso bolsonarista colocado em prática.

Uma ‘higienização’ calcada na eliminação de um inimigo inventado, algo que vem dando mostras de ser um projeto fracassado desde a intervenção militar decretada durante Michel Temer.

Na última quinta-feira, o Observatório da Intervenção – que acompanhou os nove meses da operação – apresentou seu relatório final. E como todas as previsões já alertavam, a medida pode ter agravado ainda mais a escalada da violência.

O número de homicídios cometidos por policiais aumentou, assim como os disparos por arma de fogo (assustadores 56,6% em uma cidade em que tiroteios já são trilha sonora habitual).

“A medida não resolveu problemas estruturais e acentuou o caráter bélico e letal das respostas na área de segurança (…) A intervenção foi uma tentativa cara e inócua de mudar um contexto complexo, usando táticas antigas em vez das reformas estruturais e políticas inovadoras que seriam necessárias (…) Os tiroteios interferem diretamente no cotidiano das comunidades; são moradores que não podem sair para trabalhar, professores que não chegam às escolas, postos de saúde fechados, transporte interrompido. As mortes decorrentes dos tiroteios são a ponta do iceberg. Por trás deles tem gente ferida, gente sendo ameaçada, criança com síndrome do pânico”, declarou Sílvia Ramos, coordenadora do observatório.

Oskar Schindler foi o empresário alemão que, ao empregar mais de mil judeus em sua fábrica, salvou-lhes a vida.

Neste país em tempos de Bolsonaro e Witzel, o que temos são ‘autoridades’ quebrando uma placa em homenagem a Marielle Franco (e depois mandando emoldurar o fragmento e pendurá-lo em seu gabinete de deputado, enaltecendo o assassinato da vereadora ativista) e policiais brincando de tiro ao alvo com inocentes moradores de comunidades pobres.

Tem como isso dar certo?