Com Bolsonaro fora, Mourão terá o primeiro teste de democracia com os estudantes. Por José Cássio

Atualizado em 15 de maio de 2019 às 11:16
Ele nunca foi o vice dos sonhos da tropa de choque bolsonarista (Exército Brasileiro/Divulgação)

Ao solicitar o apoio da Força Nacional com a justificativa de “evitar danos ao patrimônio público e aos servidores” por causa da greve nas universidades marcada para a tarde desta quarta, 15, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, está jogando no colo do vice-presidente Hamilton Mourão a grande oportunidade que ele precisa para mostrar que é possível entrar pela porta dos fundos e sair pela da frente na vida pública.

Com Bolsonaro fora – após ser chutado de Nova York, vai receber em Dallas, no Texas, uma placa da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos -, é Mourão o mandatário responsável por coordenar as forças públicas ao longo do dia.

Cabe a ele, portanto, a decisão de recrudescer, botando os cães para cima dos estudantes, ou exercer o papel de moderador, entendendo, sim, que a ordem precisa ser mantida, mas aceitando que a livre manifestação é um direito da sociedade.

Se bancasse um tom mais ameno, não seria a primeira vez que o vice iria se contrapor aos pontos de vista do mandatário número 1. Isso vem acontecendo com frequência desde a vitória nas urnas.

Em setembro do ano passado, por exemplo, semanas antes do primeiro turno, enquanto Bolsonaro rosnava para os venezuelanos que atravessavam a fronteira em busca de refúgio no Brasil, Mourão já externava opinião diferente.

“O Brasil sempre auxiliou as demais nações”, disse num debate organizado pelo Facebook e pela revista Veja. “Não podemos virar as costas aos nossos irmãos venezuelanos”.

Neste mesmo encontro, confrontado sobre as posições de Bolsonaro, diametralmente contrárias às suas, não abaixou a guarda.

“O cabeça da chapa será o comandante do Brasil, não o dono”, respondeu.

De janeiro para cá, foram diversas as vezes em que Mourão divergiu de Bolsonaro e, salvo alguma exceção, em todas mostrou ponderação em um tom mais elevado.

Nesta tarde, ainda que não se possa cravar que o pedido da intervenção policial tenha sido uma ordem de Bolsonaro ao ministro Weintraub, Mourão está novamente diante de uma boa oportunidade para mostrar que tem respeito pelas opiniões contrárias e especialmente que não é mais um nesta máquina de moer gente em que se transformou o Brasil.

O general da reserva nunca foi o vice dos sonhos do capitão.

Foi preterido, incialmente, por Marco Feliciano, Janaína Paschoal e até pelo príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança, que nesta semana discursou na câmara sobre as homenagens pelos 131 anos da Lei Áurea e afirmou que a “escravidão é tão antiga quanto a humanidade” e, por isso, “é quase um aspecto da natureza humana”.

Marco Feliciano, numa articulação tabajara com Olavo de Carvalho e os irmãos Bolsonaros, chegou a pedir o seu impeachment no mês passado.

“Mourão tem conduta indecorosa, desonrosa e indigna”, argumentou. “É um conspirador”.

A depender de como vai conduzir as coisas hoje, o vice pode até continuar causando urticária na tropa de choque bolsonarista.

Para os brasileiros cansados de tanta histeria, porém, ele tem a chance de dar mais um passo da porta dos fundos em direção à da frente.