Com desastre Bolsonaro, impeachment ressurge e empresários já admitem fator Lula. Por Eduardo Maretti

Atualizado em 16 de março de 2021 às 21:57

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual

Por Eduardo Maretti

Araújo, Bolsonaro, Paulo Guedes. Junto com Pazuello, representantes maiores de um governo desastroso para o país e que já desagrada a todos os setores relevantes da sociedade civil

O agravamento da crise econômica e a catastrófica conduta do presidente Jair Bolsonaro e seu governo durante a pandemia do novo coronavírus começam a produzir reações imprevistas até há poucas semanas e debates sobre o impeachment de Bolsonaro voltam à cena. O ex-candidato direitista João Amoêdo (Novo), por exemplo, afirmou que o fracasso do Executivo pode abrir caminho para a volta da esquerda à Presidência. O economista Delfim Netto declarou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será presidente outra vez, e com seu voto. Na semana, pronunciamento do ex-presidente levou ao surgimento do termo “fator Lula” para ironizar mudanças de atitude e de linguagem de Bolsonaro.

Após o ressurgimento do ex-presidente à cena política, o “megainvestidor” Mark Mobius disse não entender o porquê da rejeição ao petista, que não seria “necessariamente ruim para o mercado brasileiro”. O suposto “fator Lula” movimentou os assuntos dos meios de comunicação. Para mandar recado a Bolsonaro, veículos que até agora vinham dando suporte pelo menos a sua agenda econômica, como a Globo, acabaram dando espaço generoso para as vitórias de Lula no STF e à repercussão de sua entrevista.

A insatisfação crescente e veemente contra Bolsonaro também repercute no xadrez político. Lideranças do Centrão, embora ainda sob anonimato, já fazem ameaças veladas ao presidente. Após o circo montado em torno da sucessão no Ministério da Saúde, “um influente político do Centrão” fez ameaça velada n’O Estado de S. Paulo que, em caso de novo fracasso. “O país não vai parar para discutir quem será o quinto ministro da Saúde. Mas sim o próximo presidente da República.”

Custo Bolsonaro

Artigo de Maria Cristina Fernandes, do Valor Econômico, nesta segunda-feira (15), mostrou que anda a passos largos “o completo divórcio entre o bolsonarismo raiz e seus eleitores na elite econômica do país”. Isso pode ser detectado por compartilhamentos de conteúdos de vídeo “que vão da crítica contundente ao (pedido de) impeachment do presidente”.

O vídeo (assista abaixo) define o “caos” no país: vexame no exterior, desvalorização do real, fuga de investidores, ministros desqualificados como Damares Alves, escândalo Flávio/Queiroz, destruição da Amazônia, fechamento de portas para Mercosul, União Europeia e China. Entre uma série de outras mazelas definidas pelos idealizadores como a contradição entreos “recursos, talentos e oportunidades” do Brasil, e o “custo Bolsonaro”, como o qual a conta não fecha.

Disfuncional

No Facebook, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira afirmou que, dada a incompetência de Bolsonaro, ele perdeu o apoio da classe média conservadora e da centro-direita”. Pela avaliação do economista, o presidente “não tem apoio em qualquer setor importante da sociedade civil”. Ele diz mais: “a probabilidade de que Bolsonaro, ainda neste ano, seja afastado por um impeachment aumentou muito”.

Professor de economia da Fundação Getulio Vargas, Bresser-Pereira avalia que Bolsonaro se impôs como alternativa “funcional” para a elite econômica neoliberal direitista, ávida por “liberalizar e privatizar” tudo na economia. Mas acabou virando um problema, porque “jamais o Brasil teve um presidente tão incapaz quanto o que está aí”.

Para Bresser-Pereira, a elite econômica reconhece a força do fator Lula e não sabe quem poderá derrota-lo. Mas sabe que Bolsonaro, que “já devia ter sido impichado pelos crimes que cometeu e cuja popularidade cai dia a dia”, se tornou disfuncional também para essa elite – os empresários e a classe média conservadora.

Impeachment ou eleições?

Os ventos estão mudando? Com certeza eles começaram a soprar em outra direção após a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de anular os processos contra Lula pela operação Lava Jato. Com isso, Lula reentrou no cenário político do país com o histórico discurso da semana passada, já sob o manto da elegibilidade.

“A sinalização de Lula no discurso é para uma agenda econômica moderada. Ele acena para uma composição política ampla, e esse aceno foi bem aceito por uma série de setores empresariais. Ou, pelo menos, como um aceno para o diálogo, com elementos presentes nos governos dele, como mercado doméstico, distribuição de renda e maior ênfase na utilização de mecanismos de Estado para dinamizar a economia”, avalia o também economista Marco Antonio Rocha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Se o impeachment de Bolsonaro se demonstrar politicamente inviável, as eleições do ano que vem devem, finalmente, acabar com a era Bolsonaro no Brasil. Se a agenda de Lula pode não ser a preferida do mercado financeiro, a crítica situação de grande parte do empresariado – pela crise econômica e a pandemia – está levando cada vez mais eleitores de Bolsonaro em 2018 a vislumbrarem no petista a possibilidade de recuperação econômica no curto prazo, com o aumento do poder de compra das famílias.

Direita sem candidato

Do ponto de vista político, na avaliação de Rocha, é importante lembrar que o único candidato com agenda liberal com chances reais de vitória em 2022 é o extremista de direita Bolsonaro. Afinal, a chamada direita liberal não tem um nome eleitoralmente viável, pelo menos até o momento. Nesse contexto, a recusa em negociar uma agenda política com Lula, que provavelmente estará no segundo turno, significa embarcar na tentativa de reeleição de Bolsonaro, hipótese que está sendo rapidamente descartada pelo empresariado.

“A centro-direita, ou direita, não conseguiu ainda chegar a um consenso, ou não tem um nome que possa rivalizar com Lula. Uma hora falam do (ex-ministro da Saúde, Henrique) Mandetta, outra hora do (apresentador de TV, Luciano) Huck. Doria saiu de cena, e admitiu (há três dias, ao Estadão) que pode se candidatar à reeleição em São Paulo. Se ficou sem apoio dentro do partido, não tem como sair”, observa a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos.

O “discurso de estadista de Lula” – na opinião de Maria do Socorro – trouxe de volta a política ao debate. Para ela, as manifestações cada vez mais disseminadas e expressivas do empresariado e na área política mostram que “as forças começam a se colocar diante de uma liderança que reinsere no país” o debate da Política com P maiúsculo. Isso é coisa que com Bolsonaro não existe. Ao contrário, estava fora do debate nacional”. Para ela, a esquerda tem necessariamente de procurar cada vez mais espaço no eleitorado de centro-direita. Isso porque Bolsonaro ainda estaria mantendo aproximadamente 30% de apoiadores pelo país.

Polarização?

O cientista político Vitor Marchetti, da UFABC, tem contestado em suas redes socais o que chama de “armadilhas argumentativas” em torno da dita “polarização”. “Não foi a polarização política que nos trouxe até aqui. O que nos trouxe até aqui foi a ação organizada de heróis de toga que em nome de uma moralidade (na realidade cínica) investiram na destruição do sistema com a fé de que dos seus destroços surgiria a República imaculada”, escreveu. “Polarização política é da natureza das disputas políticas. Há momentos históricos em que ela pode ser mais aguda do que outros, mas não é a explicação dos problemas que nos afligem.”

Na opinião de Marco Antonio Rocha, o movimento hoje claro – desencadeado pelo fator Lula e com chance real de êxito – não seria nem mesmo um fato novo, historicamente. Ele lembra o período de 1999 a 2002, ainda com Fernando Henrique Cardoso, com a crise econômica de então e crescimento de curto prazo inviável. “A gente vinha da crise cambial de 1999. Houve uma aproximação do empresariado ao PT, representado pela figura de José de Alencar. Isso hoje é plausível”, diz. No entanto, Rocha ressalva que o antipetismo subsiste em estratos significativos das classes empresarial e média. E também entre os evangélicos.

Até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que em 2018 afirmou não ter votado nem em Fernando Haddad, nem em Bolsonaro, mudou de opinião. Para não esquecer o estilo tucano, afirmou à Folha de S.Paulo que, entre Lula e o atual presidente, votará no “menos pior”. Mas comentou, sobre o petista: “O Lula foi calejado pela vida. Isso conta. Não é nenhum principiante”, disse FHC.