Com o Estatuto do Nascituro, endossado por Cunha, Damares Alves quer nossa cabeça numa bandeja. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 11 de dezembro de 2018 às 21:02
Pastora Damares Alves Foto: Reprodução

Nossa futura Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a pastora Damares Alves, é um exemplar perfeito de cristã neopentecostal: atolada até o pescoço no fundamentalismo religioso, completamente parada no tempo e baseando decisões coletivas em crenças individuais.

Damares personifica com maestria a esquizofrenia de seus pares: seu discurso fantasioso envolve substâncias psicotrópicas, aparições sobrenaturais de Jesus em pés de goiaba (Jesus não teria nada melhor pra fazer, não?), masturbação em bebês e exigência de padrões de comportamento do Século XIX em pleno ano de 2018.

O ponto é que pessoas cegas por suas crenças, como é o caso,  não têm ideias ou convicções sérias; têm, em vez disso, delírios. E é a delirante figura de Damares Alves – que, como se não bastasse, posa ao lado de violentadores de mulheres como Julian Lemos, enquadrado em flagrante na Lei Maria da Penha – que estará à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Com suas declarações totalmente desconexas da realidade, como “A mulher nasceu para ter filhos” e “É hora de a igreja governar!”, ela já disse a que veio: moral cristã acima de todos, inclusive da vida das mulheres brasileiras. Hoje, confirmando o que já era esperado, declarou ainda que dará prioridade ao Estatuto do Nascituro – aquele que proíbe o aborto até mesmo nos casos já permitidos por lei, como gravidez resultante de estupro ou que apresente risco de vida para a gestante.

“Vamos estabelecer políticas públicas para o bebê na barriga da mãe nesta nação” – parece a fala de uma atendente de telemarketing obcecada por fetos, ou é impressão minha?

O Estatuto do Nascituro foi apresentado à Câmara em 2007 pelos ex-deputados federais – nunca esqueçamos seus nomes –   Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS-MG), e endossado de lá pra cá por gente da pior estirpe – de Eduardo Cunha a Silas Malafaia.

O texto é tão desrespeitoso que prevê até uma “bolsa” para as vítimas de estupro que “optarem” por não abortarem. Mulher estuprada não precisa de esmola, Ministra. Precisa de apoio e paz (uma paz que certamente não terá se tiver de assumir um vínculo eterno com seu violentador).

Além disso, o estatuto considera o feto um bebê formado, contrariando ao mesmo tempo a ciência e a constituição – duas coisas essenciais para o desenvolvimento de qualquer sociedade, e não obstante desprezadas pela Ministra e pelos fundamentalistas que ela representa.

A ciência, porque todas as pesquisas sérias apontam para o fato de que só existe ser humano a partir do início da atividade cerebral (após o terceiro mês de gestação, portanto), e a Constituição, que não admite a perda de direitos adquiridos.

A possível aprovação desse projeto é uma afronta a todas as mulheres.

Obrigar mulheres a prosseguirem com gestações que põem em risco suas vidas é um ato genocida, que deve e certamente encontrará muita resistência e clamor popular, o que, infelizmente, talvez não adiante de nada.

Em plena primavera feminista, o aparente apocalipse: o estatuto só aguarda votação favorável a ele na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara, e, por lá, quem poderia nos defender quer mesmo é a nossa cabeça em uma bandeja.

Que Deus tenha misericórdia de nós.