Com pandemia, Estado e religião serão temas principais das eleições municipais. Por Tiago Pereira

Atualizado em 3 de agosto de 2020 às 10:22
Rodrigo Maia celebrando o ‘dia da Bíblia’ na Câmara

 

PUBLICADO NA REDE BRASIL ATUAL

POR TIAGO PEREIRA

A pouco mais de quatro meses das eleições municipais, a escolha dos prefeitos e vereadores deve se dar sob o signo da pandemia. Estimativa do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME, na sigla em inglês), da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, prevê mais de 166 mil mortes pela covid-19 no Brasil até 1º de outubro. Os atuais mandatários deverão ser avaliados nas urnas pelo trabalho que fizeram, ou deixaram de fazer, no combate à doença.

Esse debate também será “nacionalizado”. Com candidatos se alinhando ao campo das ciências, entre aqueles que apoiaram as medidas de isolamento. Em oposição aos negacionistas, inspirados pelo presidente Jair Bolsonaro, que são partidários da cloroquina e da reabertura total da economia.

Morte e vida devem dar a tônica das discussões. Se, por um lado, a pandemia resgata a importância do Estado, como ferramenta de coordenação aos esforços de combate à doença, por outro, o desamparo e as experiências de perda que se multiplicam devem reforçar também o papel do discurso religioso na política.

São Paulo – A pouco mais de quatro meses das eleições municipais, a escolha dos prefeitos e vereadores deve se dar sob o signo da pandemia. Estimativa do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME, na sigla em inglês), da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, prevê mais de 166 mil mortes pela covid-19 no Brasil até 1º de outubro. Os atuais mandatários deverão ser avaliados nas urnas pelo trabalho que fizeram, ou deixaram de fazer, no combate à doença.

Esse debate também será “nacionalizado”. Com candidatos se alinhando ao campo das ciências, entre aqueles que apoiaram as medidas de isolamento. Em oposição aos negacionistas, inspirados pelo presidente Jair Bolsonaro, que são partidários da cloroquina e da reabertura total da economia.

Morte e vida devem dar a tônica das discussões. Se, por um lado, a pandemia resgata a importância do Estado, como ferramenta de coordenação aos esforços de combate à doença, por outro, o desamparo e as experiências de perda que se multiplicam devem reforçar também o papel do discurso religioso na política.

Para a professora de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Helcimara Telles, as eleições municipais são importantes não apenas para definir as políticas municipais em saúde e educação, por exemplo. Mas são os resultados das disputas locais que “organizam” o debate público para as eleições gerais, dois anos depois.

“Trata-se de uma agenda de vida. E cada um vai defender essa agenda de um modo diferente. Uns pela fé e pela fatalidade da morte, dos destinos tratados por Deus, do lado dos conservadores. E outros pelas políticas públicas, pelo SUS, pela defesa da saúde”, destaca a a entrevistada.

Mara Telles é organizadora, junto com o cientista político Antônio Lavareda, dos livros A lógica das Eleições Municipais (Editora FGV) e Como o eleitor escolhe seu prefeito? (Editora FGV). Coordenadora do grupo de estudos Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral, deu início, na última quinta-feira (30) ao curso online Novas @ndas na Política. Com mil participantes na primeira turma, os interessados podem se inscrever numa lista de espera para a segunda turma, através do e-mail [email protected].

Estado

Ela destaca que é o estado que organiza as políticas públicas de combate à disseminação da covid-19. Além dos Sistema Único de Saúde (SUS), são as fundações e universidades públicas que encabeçam as principais pesquisas para o tratamento e prevenção da doença. É nesse sentido que ela acredita que o discurso científico terá papel preponderante na disputa eleitoral.

“A pandemia exige estado. Exige um modelo de bem-estar. Exige SUS. É a experiência do indivíduo que está morrendo, pedindo ‘pelo amor de Deus, eu quero estado’. A preferência pelos partidos não depende só da ideologia, mas da sua experiência com as coisas”, afirma Mara.

“Se pudesse escolher, lançaria um médico sanitarista, da linha de frente, como candidato a prefeito. Para contar como ele sofreu e lidou com o sofrimento das famílias. E relatar como é importante o SUS, e como é importante o amor. As pessoas estão num período de morte. Quem melhor representa o oposto da morte? Os médicos.”

Fundamentalismo

Num cenário de polarização, além de fortalecer o discurso científico, a pandemia também favorece o discurso religioso. “A religião nunca esteve tão presente, como resposta às agruras de um mundo desnorteado. Em que você se agarra quando a sua família está morrendo, e não tem estado? Você parte para Deus. Então, não acho que os grupos religiosos vão sair perdendo.”

Sem conseguir formar seu novo partido a tempo de disputar as eleições municipais, Bolsonaro tem afirmado que não vai se envolver nas disputas locais. Ainda assim, a agenda dos costumes, cara aos grupos conservadores, deve novamente estar presente com muita força no debate. Além de se organizar em pequenos partidos da direita, os grupos bolsonaristas devem contar com o apoio das igrejas neopentecostais.

Trata-se da “bancada da fé e da família”, que vem ganhando cada vez mais espaço tanto no Congresso Nacional, como nas Câmaras municipais. Como exemplo da força desse grupo, Mara lembrou que, no início de julho, os vereadores de Belo Horizonte rejeitaram a criação do Dia Municipal de Combate ao Feminicídio. A justificativa é que o texto legislativo trazia a palavra “gênero”.

Frente não é solução

Mara é cética com a proposta defendida por determinados especialistas de que os representantes de partidos de esquerda deveriam se unir em candidaturas únicas. Esta eleição será a primeira em que as coligações para a disputa nos legislativos não serão mais permitidas. Contudo, os partidos ainda podem formar chapas para o Executivo.

“É preciso cuidado com a estratégia de se criar uma frente de esquerda. O cabeça de chapa sempre puxa mais votos para a sua legenda. E os outros coligados ficarão à míngua. Se o PCdoB, por exemplo, não lançar candidatos próprios para as prefeituras, vai acabar morrendo.”

Fragmentação

Uma tendência que deve continuar, de acordo com a especialista, é o crescimento dos chamados partidos nanicos. Esse foi um fator presente já nas eleições de 2016, e que refletiu no aumento do número de partidos com representação também no Congresso Nacional, nas eleições de 2018, quando atingiram recorde histórico.

A estratégia desses partidos, que predominam do centro para a direita, de acordo com a coordenadora do Opinião Pública, é lançar a lista completa de candidatos a vereador. Já os partidos de esquerda costumam lançar um número menor de candidatos, apostando numa chama mais enxuta e qualificada. O que pode ser outro erro estratégico, segundo Mara.

Renovação

Serão eleições “atípicas”, com reforço ainda maior da importância das redes sociais nas campanhas locais. Já que comícios, caminhadas e outras estratégias “corpo a corpo” estarão restritas ou inviabilizadas. Nesse contexto, segundo Mara, largam na frente os atuais ocupantes das cadeiras, que contam com as máquinas administrativas para impulsionar suas candidaturas à reeleição. Será também o momento do eleitor fazer um balanço a respeito dos políticos que anteriormente se elegeram na onda da antipolítica.

Ela destaca que dois dos “atalhos cognitivos” que ajudam a definir a escolha do eleitor são a lembrança do voto na eleição anterior – o chamado recall – e a exposição da imagem do político. Também por isso, os atuais detentores dos cargos públicos devem levar vantagem. Por isso, não basta que os candidatos elaborem estratégias digitais sofisticadas de última hora. Vai ganhar, segundo ela, aquelas figuras que já contam com um “capital eletrônico” robusto, resultado de anos de presença nas redes sociais.