Com Pitbull não dá: por que os hinos oficiais dos mundiais têm de ser tão ruins?

Atualizado em 31 de outubro de 2014 às 10:56


Publicado originalmente na DW.

 

Para nós, brasileiros, há algo muito estranho na seleção musical da Copa do Mundo de 2014. A essa altura você já deve ter ouvido a música oficial do evento We are one (ole ola) e se perguntado por que, num país com uma enorme tradição musical, o escolhido para embalar a festa, pelo menos oficialmente, foi o rapper americano Pitbull?

Ao menos ele não está sozinho. O filho de cubanos nascido em Miami conta com a ajuda da também americana Jennifer Lopez, numa tentativa de dar um ar latino à festa, e com a brasileira Claudia Leitte, que parece ficar no banco de reservas quase todo o tempo e, quando entra em campo, não empolga.

O que também chama atenção é que a música é cantada quase toda em inglês, exceto a parte de Claudia Leitte, e isso apesar de Gusttavo Lima e Michel Teló terem provado que é possível fazer sucesso no exterior cantando em português.

O vídeo que acompanha a música oficial tenta sintetizar o clima da festa: mulheres seminuas, samba e tambores. A coisa toda é um clichê, zomba a jornalista e DJ Leka Peres, e sua colega Gaia Passarelli completa: “A música é ruim, chata e descartável. Perdemos a chance de fazer algo bacana e inspirador.”

Sempre polêmica

Assim que We are one (ole ola) foi lançada, as redes sociais brasileiras foram invadidas por críticas. Muitos comparavam a canção ao sucesso Waka Waka, de Shakira, música oficial da Copa do Mundo de 2010. A colombiana, aliás, contribuiu com uma música –Dare (La La La), com a participação de Carlinhos Brown – para o álbum oficial do torneio, intitulado One Love, One Rhythm (Um amor, um ritmo).

Mesmo com o grande sucesso de Waka Waka, Shakira sofreu muitas críticas em 2010. Apesar de a cativante melodia ter rapidamente se espalhado e embalado a festa de torcidas em todo o mundo, muitos sul-africanos ficaram descontentes com a escolha da colombiana para cantar a música da Copa do Mundo em seu país. Mesmo ela sendo acompanhada pela banda local Freshlyground.

Quando, nesta quinta-feira (12/06), o Brasil enfrentar a Croácia na abertura da Copa em São Paulo, antes de o jogo começar seremos embalados por Pitbull, Claudia Leitte e Jennifer Lopez. Esta chegou a cancelar sua aparição na segunda-feira (09/06), alegando “problemas de produção”, só para ser reconfirmada pela Fifa um dia depois, sem explicações.

O grande problema é que a canção que eles vão apresentar não satisfaz a alma musical do brasileiro e dá saudades das músicas não oficiais que embalaram outras Copas. Quem não se lembra de Festa, de Ivete Sangalo, hino não oficial da conquista do pentacampeonato brasileiro ao lado de Deixa a vida me levar, de Zeca Pagodinho? Ou de Meu Canarinho, cantada por Luiz Ayrão em 1982?

Nas mãos da Fifa e da Sony

A canção oficial da Copa é escolhida pela gravadora Sony e pela Fifa, que organiza uma espécie de concurso. Em princípio, qualquer um pode participar, e mais de 1.500 músicas foram inscritas para a Copa do Mundo do Brasil. Mas a canção vencedora é sempre interpretada por um grande nome da música internacional, para tornar o negócio mais lucrativo.

A comercialização da música da Copa é um bom negócio e tem cada vez mais despertado a atenção da Fifa e das federações nacionais de futebol. Apesar de artistas menos conhecidos quase não terem chances nessa disputa, eles ainda podem chegar aos ouvidos e coração dos torcedores produzindo e gravando suas próprias faixas e lançando-as na época do monumental evento.

Na Copa da Alemanha, Zeit, dass sich was dreht (é hora de algo acontecer), interpretada pelo popular Herbert Grönemeyer, fazia parte do álbum Voices from the Fifa World Cup e se tornou um grande sucesso no país. Mas a música que embalou a torcida alemã naquele verão foi 54, ’74, ’90, 2006, da banda de indie rock Sportfreunde Stiller. Quase ninguém se lembra da música oficial do evento, The time of our lives, do quarteto de pop operístico Il Divo, com a participação de Toni Braxton.

Hinos oficiais ou não

A primeira Copa do Mundo aconteceu no Uruguai em 1930. Nessa época ainda não havia músicas da Copa, que só surgiram no mundial de 1962, no Chile, com El rock del mundial, interpretada por Los Ramblers. A popular A taça do mundo é nossa, de 1958, foi composta para celebrar o título brasileiro daquele ano, ou seja, depois do Mundial.

Com o passar dos anos, a moda de incentivar a seleção nacional com músicas foi ganhando adesões. Em 1974, os jogadores da seleção alemã fizeram sua estreia atrás dos microfones. Inspirados por Franz Beckenbauer, que havia se lançado no mercado fonográfico com Gute Freunde kann niemand trennen (bons amigos ninguém pode separar), um cult entre os torcedores, a equipe lançou a música Fussball ist unser Leben (futebol é nossa vida), um título apropriado para combinar com o triunfo alemão em 1974.

A Inglaterra, terra mãe do futebol, não poderia ficar de fora dessa lista. Uma das canções para a Copa mais populares vindas da terra da rainha é World in motion, gravada pelo New Order para a Copa de 1990. É, até hoje, o único single da banda a chegar ao topo da parada no Reino Unido.

Inventores do futebol, os ingleses têm uma certa dificuldade em aceitar que só foram campeões do mundo uma vez, em 1966. Isso foi tematizado pelo Lightning Seeds na música Three Lions, canção oficial da seleção inglesa em 1996 e que discute os vários insucessos da equipe sem deixar de lado um fio de esperança para o futuro.

Se no gramado as glórias inglesas não são numerosas, o mesmo não acontece do lado de fora. Além do New Order e do Lightning Seeds, nomes como Echo & The Bunnymen, Spice Girls e Dizzee Rascal já gravaram músicas oficiais para a seleção inglesa.

A cada Copa, o país ainda produz alguns hinos não oficiais, como foi o caso de Vindaloo, do Fat Les, formado por Alex James, do Blur, e o comediante Keith Allen. Em 2014, além do tema oficial, cantado por um time liderado por Gary Barlow, artistas como Kaiser Chiefs e Lily Allen também lançaram suas músicas não oficiais para o evento.

Isso sem falar no hino por excelência dos vencedores de qualquer competição, futebolística ou não: We are the Champions, do Queen.