Com projeto soberano, o Brasil pode ser uma potência mundial. Por Felipe Quintas, Gustavo Galvão e Pedro Augusto Pinho

Atualizado em 2 de outubro de 2019 às 11:59
#EleNao em São Paulo. No Largo da Batata. Foto do Mídia Ninja.

Publicado originalmente no Monitor Mercantil

POR FELIPE QUINTAS, GUSTAVO GALVÃO E PEDRO AUGUSTO PINTO

O mundo do fim da história de Francis Fukuyama já passou. Antes se fora o mundo bipolar da guerra fria. O século XXI encontra o mundo com diversidades e novas alianças que tornam menos eficazes os Impérios. Estes, por seu turno, avançam em ameaças, bloqueios, represálias tentando manter um poder que se esvai.

Talvez nosso caro leitor não se dê conta da importância econômica e política de blocos como a União Africana (UA), que congrega 54 Estados-membros, ou da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), onde o presidente do país anfitrião (Cazaquistão), Nursultan Nazarbayev, cumprimentou os convidados, em 2005, com palavras surpreendentes para aquele contexto: “Os líderes dos Estados sentados a esta mesa de negociação são representantes de metade da humanidade”, e eram apenas dez países.

A imprensa, os governos das antigas potências do Atlântico Norte procuram disfarçar suas constantes derrotas políticas, militares, econômicas, sociais e culturais, que as forças emergentes de um novo mundo lhes infligem. Como na canção da cubana Maria Teresa Vera (1895-1965), Veinte Años, o Império euro-estadunidense sabe que “hoy represento el pasado, no me puedo conformar”.

EUA e Europa sabem que hoje representamo passado e não conseguem se conformar

O Brasil tem as condições de ser potência mundial. O que o impede de se efetivar é sua elite dirigente; escravocratas que se contentam com as comissões do servilismo primário-exportador e com o rebaixamento contínuo dos níveis de vida da população que governam.

Não são as fracas e inconsistentes esquerdas ou as corrupções, que são cometidas pelos que dominam o poder há dois séculos, que impedem o Poder Nacional Brasileiro. É a luta destas elites contra a industrialização de seu próprio país e contra a proteção social do seu próprio povo.

Num olhar para a História do Brasil, vê-se que até a Revolução de 1930 quase nada foi feito para incluir e instruir o povo brasileiro. Os ministérios da Educação e da Saúde Pública e o do Trabalho, Comércio e Indústria só passaram a existir com Getúlio Vargas.

Mas foi muito pior do que apenas a omissão. Foi o permanente combate à industrialização e ao Estado social, como a revolta paulista de 1932, os golpes de 1945, 1954, 1964 e 2016, todos com o objetivo impedir o desenvolvimento industrial e social brasileiro. Cabe perguntar a razão desta atitude: um tiro no pé de brasileiros contra brasileiros, ou melhor, de “brazileiros” contra brasileiros.

Tentemos compreender esta elite do atraso, como a denomina o sociólogo Jessé Souza, na descrição que dela fez em seu livro A Elite do Atraso – DEscravidão à Lava Jato (Casa da Palavra/Leya, RJ, 2017):

“Ideias do Estado e da política corrupta servem para que se repasse empresas estatais e nossas riquezas do subsolo a baixo custo para nacionais e estrangeiros que se apropriam privadamente da riqueza que deveria ser de todos. Essa é a corrupção real.”

E adiante: “O imbecil perfeito é criado quando o cidadão espoliado passa a apoiar a venda subfaturada desses recursos a agentes privados imaginando que assim evita a corrupção estatal. Como se a maior corrupção não fosse precisamente permitir que uma meia dúzia de super-ricos ponha no bolso a riqueza de todos, deixando o resto na miséria. Essa foi a história da Vale.”

Não é a esquerda ou as corrupções, é a lutadas elites contra seu próprio país e seu povo

Constrói-se, com a pedagogia colonial e a ausência de uma estrutura de comunicação de massa não comercial, aberta e nacional, um paradoxo: a capacidade do brasileiro de vencer desafios, como a construção dos melhores aviões de médio porte, a produção de petróleo em águas ultraprofundas, o ineditismo em soluções para energia nuclear e muitas outras conquistas científicas e tecnológicas, que receberam prêmios, troféus e considerações internacionais, foi obnubilada, desconsiderada diante do suposto “jeitinho” brasileiro e do tão difundido “complexo de vira-lata”.

Estas elites, cujos olhos estão invejosamente postos no exterior, reprimem a emancipação da população brasileira; quer vê-la submissa, escrava, para não saber que esta elite tem os pés de barro, vive da corrupção e dos negócios sujos, indecentes, legalizados por congressos e judiciários igualmente venais.

A industrialização exigiria a demonstração deste conhecimento, a formação de capacitação, a emancipação e o orgulho de ser o mestiço brasileiro, o afrodescendente, este povo tolerante, sem ódio e hospitaleiro. E formaria o mercado onde seria o usuário destas exportações aviltadas pelo câmbio imposto pelo comprador. Através da industrialização, o Brasil estaria sentado à mesa das decisões mundiais, pela riqueza humana, que esta elite não é capaz de mostrar, a não se por mínimas exceções.

A 11 de novembro de 1940, no Rio de Janeiro, assim se expressou, num ágape, o maior presidente do Brasil, Getúlio Vargas (A Nova Política do Brasil, vol. VIII, José Olympio Editora, RJ, 1941):

“Numa sociedade onde os interesses individuais prevalecem sobre os interesses coletivos, a luta de classe pode surgir com o caráter de uma reação de consequências funestas. Por isso, as leis sociais, para serem boas e adaptáveis, devem exprimir o equilíbrio dos interesses da coletividade, eliminando os antagonismos, ajustando os fatores econômicos, transformando, enfim, o trabalho em denominador comum de todas as atividades úteis. O trabalho é, assim, o primeiro dever social. Tanto o operário como o industrial, o patrão como o empregado, realmente voltados às suas tarefas, não se diferenciam perante a Nação no esforço construtivo: são todos trabalhadores. Diante deles e contra eles só há uma classe em antagonismo permanente, cuja nocividade é preciso combater e reduzir ao mínimo: a dos homens que não contribuem para o engrandecimento do país, a dos ociosos, a dos parasitas”, os vendilhões da pátria e os escravocratas, estes capitães-do-mato de pele branca. Aqueles que se humilham diante dos estrangeiros que lhes retribui com as esmolas pela espoliação, pelo esbulho do Brasil.

E o Brasil dessa elite não tem lugar nos foros internacionais, onde sofrem com o mesmo desrespeito com que tratam os seus naturais. Para facilidade de compreensão da ignara elite, vamos dividir a presente situação mundial em dois blocos: o da produção e o da esterilidade.

Pertencem ao bloco da esterilidade todos os governos e sistemas de poder que se curvam ao neoliberalismo. Que consideram o capital financeiro mais importante do que o ser humano, que tiram dinheiro da saúde, da educação, da aposentadoria dos mais frágeis para engordar, com juros imorais e operações financeiras ou jogatinas aéticas, a riqueza dos bancos. Que, em comportamento que poderíamos nominar de psicopata, apenas veem o lucro, a eliminação da concorrência, a concentração de renda como objetivo de vida, sem atentar para qualquer valor moral.

A capacidade do brasileiro de vencer desafios foi obnubilada diante do suposto ‘jeitinho’

Os neoliberais são na efetividade os grandes corruptores e também os corruptos, que tanto assombram a classe média invejosa de seus triunfos amorais; e que apenas não são ilícitos pela compra dos legislativos e dos judiciários, como Jessé Souza descreveu em A classe média no espelho (Estação Brasil, RJ, 2018).

No outro polo estão países e ideologias do desenvolvimento humano, da produção, da industrialização e do conhecimento. Se, na esterilidade do capital financeiro, basta ter dinheiro para ganhar dinheiro, no sistema produtivo o saber é valorizado, do operário qualificado, do tecnólogo criativo, do cientista dedicado. E há espaço e necessidade do trabalho, do trabalhador que vai acionar todo sistema como consumidor e contribuinte. É o sistema do capital industrial que gera renda, lucro, salário e imposto, satisfazendo o próprio capital, o trabalho e o Estado Nacional.

Só faltaria nacionalismo, ou seja, visão coletiva baseada no sentimento de pertencimento a uma nação, para o Brasil ser – pelo território e suas riquezas naturais, pela população e sua capacidade – um grande país e, assim, sentar-se como referência à mesa dos organismos internacionais da produção e a eles se alinhar. Pela ação de traidores da Pátria, que alienam o saber e o patrimônio nacional para o capital estéril, ficamos paralisados como uma vaca leiteira que vê roubada sua abundante riqueza enquanto seus filhos têm fome.

No número 4, volume XXVI, o Solidariedade Ibero-Americana (1ª quinzena de agosto de 2019) apresenta a seguinte chamada na capa: “Enquanto a Iniciativa Cinturão e Rota, encabeçada pela China com a cooperação da Rússia, se consolida como uma nova proposta para o relacionamento entre as nações, os EUA e o Reino Unido se obstinam em criar focos de desestabilização”. Poder-se-ia incluir Israel neste conjunto belicoso, pois estes países do capital estéril já declararam guerra contra o capital produtivo e a própria humanidade com seu projeto e ações neomalthusianas.

Ao fim, como assinala Jessé Souza, existe uma necessidade interna, imaterial, especificamente humana que tem a ver com “o desafio de construir uma vida virtuosa e feliz”. Urge uma profunda mudança política e institucional para que o Brasil seja devolvido aos brasileiros e que nossos imensos recursos possam ser aproveitados internamente para que uma vida assim seja possível a todos.

Felipe Quintas

Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense.

Gustavo Galvão

Doutor em economia e autor de As 21 lições das Finanças Funcionais e da Teoria do Dinheiro Moderno (MMT).

Pedro Augusto Pinho

Administrador aposentado.