Com Supremo, com STJ, com tudo: o julgamento de Lula segue sendo uma farsa. Por Vinícius Segalla

Atualizado em 23 de abril de 2019 às 21:03
Enquanto isso, no STJ

POR VINÍCIUS SEGALLA

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo suposto recebimento de propina em forma de um apartamento no Guarujá (SP). Por unanimidade, os ministros da 5ª Turma do STJ mantiveram a condenação por dois crimes: lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

Houve também uma redução na pena: de 12 para oito anos, dez meses e 20 dias de reclusão.

Há, então, algo a se comemorar para aqueles que entendem ser injusta a condenação de Lula?

Não.

Não há nada a se comemorar. O que teve lugar nesta terça-feira (23) em Brasília foi a continuidade de uma farsa jurídica que teve início na oferta da “denúncia do Power Point”, por parte do MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná), em setembro de 2016.

Veja, abaixo, os principais pontos em que o STJ manteve as ilegalidades cometidas ao longo do processo nas instâncias inferiores, a questão da dosimetria da pena, a possibilidade do ex-presidente passar para o regime semiaberto ou prisão domiciliar nos próximos meses e todas as exceções processuais que seguem em execução, em um roteiro inabalável, para que o ex-presidente Lula seja mantido encarcerado pelo tempo que desejarem aqueles que o julgam não à sombra da lei, mas do arbítrio e da exceção.

Está provado que defesa de Lula foi impedida de produzir prova relevante. Cerceamento leva a anulação do processo, mas STJ ignorou

O chamado Recurso Especial ao STJ, que foi o que esteve em julgamento nesta terça em Brasília, pode tratar de algumas questões relativas à sentença ou acórdão, mas não de todas, não se trata de uma “terceira instância” do processo. A Defesa do réu, por exemplo, não pode solicitar que o STJ se debruce novamente em provas já analisadas nas cortes inferiores.

Por outro lado, a Defesa, pode, sim, solicitar que o STJ analise falhas insanáveis ocorridas ao longo do processo, ou seja, falhas cometidas nas instâncias inferiores que podem ter levado a um julgamento injusto.

Uma dessas falhas, prevista em lei, é o cerceamento de Defesa. Se o juiz de primeira instância não permitiu que o réu tivesse o direito à ampla defesa, isso pode levar à anulação da sentença.

Ocorreu cerceamento de defesa no caso de Lula? Sim. Isso é um fato, não uma opinião, e ocorreu em mais de uma oportunidade, mas aqui se tratará de apenas uma, talvez a mais emblemática.

A Defesa de Lula solicitou ao ministro Sérgio Moro que fosse feita uma perícia no apartamento do Guarujá para que se verificasse suas reais condições e utensílios domésticos presentes.

Isso porque, segundo afirmaram no processo os procuradores da Lava Jato, a empreiteira OAS teria gasto R$ 777 mil (que seria parte da propina paga a Lula) em reformas e equipamentos no apartamento. Conforme afirmou o procurador Deltan Dallagnol, a empresa adquiriu geladeira, no valor de R$ 10 mil; microondas (R$ 5 mil); tampo de pia de resina americana que tem design moderno (R$ 50 mil), e forno elétrico (R$ 9 mil), Só a cozinha e o quarto teriam custado à empreiteira R$ 380 mil.

Muito bem. O pedido de perícia da defesa de Lula, porém, foi rejeitado pelo então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro.

Ele alegou que tudo o que Lula estava querendo era protelar (adiar) o julgamento, fazendo pedidos descabidos, que deveria valer a avaliação já feita por investigadores da Polícia Federal, que são servidores públicos que gozam da chamada boa fé objetiva, ou seja, em quem se deve acreditar aprioristicamente.

Tivesse terminado assim o episódio, poderia-se argumentar que não houve cerceamento de defesa, mas somente uma rigidez processual visando garantir a celeridade do processo.

Ocorre, porém, que o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), ocupou o tal apartamento em abril de 2018. Eles filmaram tudo lá dentro. Assim, descobriu-se que era simplesmente mentira o que disseram os investigadores da Polícia Federal. Não havia fogão de R$ 5 mil, pia de R$ 50 mil, nada. O vídeo abaixo é a prova. Ele correu o mundo.

Assim, é um fato que Lula foi condenado alegando-se que tinha recebido uma reforma de R$ 777 mil em um apartamento. É um fato também que isso não ocorreu. Finalmente, é fato que Lula só não conseguiu provar isso no processo porque foi impedido por Sérgio Moro de ter produzido a prova pericial apontando os fatos. Trata-se de um caso de cerceamento de defesa de manual, inconteste, cristalino, robusto.

“É um caso claro de nulidade. A perícia poderia comprovar que não houve reforma nenhuma, toda a alegação da acusação iria por água abaixo”, resume o criminalista André Lozano, coordenador do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

Nesta terça-feira, 23 de abril de 2019, no entanto, o STJ fechou os olhos para a prova inconteste, privilegiando a farsa, e não os fatos.

A farsa na Dosimetria; a redução no tempo certo para que Lula possa continuar preso por anos

Os quatro ministros do STJ que votaram nesta terça chegaram a entendimento idêntico sobre o tamanho da redução da pena. A chamada dosimetria da pena é uma das – se não a mais – subjetiva das decisões que cabem ao magistrado no Direito Penal.

A lei prevê que o juiz aplique uma técnica dividida em três fases para chegar ao tamanho da pena que deve ser aplicada. Ele deve em consideração entre outros fatores:

– Antecedentes criminais. Trata-se de tudo o que existiu ou aconteceu no campo penal em relação ao réu. Há quem entenda que somente condenações transitadas em julgado podem ser utilizadas para valorar negativamente esta circunstância, há quem entenda o contrário.

– Conduta social. É o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc.

– Personalidade do agente. Trata-se do conjunto de características exclusivas de uma pessoa, parte herdada, parte adquirida. É a análise voltada para detectar se a personalidade é voltada para o crime e quão perigoso seria manter o réu solto.

– Motivos. São os precedentes que levam à ação criminosa. Por que o réu teria cometido o crime? Há atenuantes? Há agravantes?

– Comportamento do réu perante à Justiça. Ele contribuiu para as investigações? Ameaçou testemunhas? Tentou destruir provas? Se contribuiu com a Justiça, foi utilizando de todos os meios que lhe estavam disponíveis?

Assim, diante da quantidade de elementos diferentes e subjetivos que devem ser levados em conta para um magistrado dosar uma pena, é preciso acreditar muito, mas muito, em coincidências para crer que quatro magistrados diferentes cheguem exatamente à mesmíssima dosimetria penal, no requinte de ser igual nos meses e nos DIAS de pena, sem que tivessem conversado entre si e combinado previamente qual condenação aplicariam.

Mais: isso o que aconteceu nesta terça foi a mesma improvável coincidência que aconteceu no julgamento em segunda instância, quando três desembargadores do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da Quarta Região) também chegaram exatamente à mesma dosimetria penal para Lula.

Que se esclareça: não, os magistrados não podem combinar o voto antes, cada um tem o dever imposto por lei de consultar apenas o Direito e a sua própria consciência no momento de tomar sua decisão judicial. Esta enorme coincidência, para o caso de não ter sido coincidência coisa nenhuma, é só mais uma prova da farsa jurídica a que Lula é submetido.

A redução farsesca da pena aplicada nesta terça pelo STJ levou alguns a comemorarem a decisão. Isso porque teria deixado o ex-presidente Lula mais próximo da progressão de regime penal. Com a nova pena, Lula poderia ir para o regime semiaberto, quando pode deixar a cadeia durante o dia, dentro de seis meses, em setembro.

Mas será que isso vai ocorrer?

A farsa dos processos sucessivos correndo em prazos de exceção

Assim, dentro de uma perspectiva otimista para quem quer ver Lula fora da cadeia, em setembro ele fará jus à progressão de regime e poderá sair da cadeia.

É certo que ele poderá pedir a progressão em setembro? Não, não é. Isso porque ele foi condenado a mais de 12 meses de prisão, em primeira instância, em outro processo, do sítio de Atibaia. Se, em setembro, o TRF-4 já tiver julgado e condenado Lula em segunda instância neste outro processo, ele não poderá progredir para o semiaberto.

Lula foi condenado em primeira instância nesta ação no dia 6 de fevereiro deste ano. Para que Lula fosse julgado neste processo antes de setembro, portanto, o TRF-4 teria que levar seis meses para julgar seu caso. Isso é normal? Não, não é. A média do TRF-4 é de mais de um ano para julgar casos da Lava Jato.

A bem da verdade, existe, sim, um caso, em que o TRF-4 levou só seis meses para julgar um processo da Lava Jato. Apenas um caso: o processo do apartamento do Guarujá contra o ex-presidente Lula.

“O julgamento de Lula foi o mais rápido entre os de todos os réus da Lava Jato analisados pelo TRF4. A decisão saiu seis meses e meio após a sentença em primeira instância, dada por Sergio Moro. Em média, casos da Lava Jato, que são avaliados mais rapidamente do que os demais, levam 18 meses para ser julgados.”  A informação é da revista Época, da Editora Globo, que compilou dados oficiais do TRF-4.

Outra informação, esta trazida à público pela Folha de São Paulo, é a de que o processo que condenou o ex-presidente Lula a nove anos e meio de prisão no caso do tríplex chegou em tempo recorde ao TRF-4.

“Foram 42 dias, desde a sentença do juiz Sergio Moro, em julho, até o início da tramitação do recurso na segunda instância, nesta quarta (23). É o trâmite mais rápido até aqui, da sentença ao TRF, entre todas as apelações da Lava Jato com origem em Curitiba”, destacou o jornal.

Assim, não pode haver dúvidas que os processos de Lula correm em prazos de exceção. E, nesses prazos de exceção, Lula será novamente condenado antes de setembro, provavelmente em agosto. Não há nada a se fazer crer que esta regra vai mudar a partir de agora. A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que o diga. Já está em campanha, comjo muitos outros, pelo “Acelera, TRF-4!”.

O roteiro da farsa está mantido, com STJ, com tudo.