Marchand de prose. Era assim que Guy de Maupassant, um dos maiores contistas da história da literatura, se definia. Um mercador de palavras. Bola de Sebo, dele, entra numa lista curta dos melhores contos jamais escritos. O apogeu criativo de Maupassant se deu no final do século XIX, sob as asas de seu mestre, Gustave Flaubert. A coisa mais sensata que você faria agora é interromper a leitura e sair atrás do livro de Maupassant em que aparece Bola de Sebo.
Mas, se você seguir adiante, não vou me queixar.
Mercador de prosa evoca, evidentemente, escritor barato, com uma diferença. Maupassant não era um mercador de prosa, ao passo que sou, na plenitude vazia da expressão, um escritor barato. Se um escavador de inutilidades encontrar, daqui a cem anos, algumas coisas escritas por mim, terá apenas o esboço do que foi a mente turbulenta de um integrante do clube dos corações solitários destes nossos tempos.
Maupassant não. Você o lê hoje e encontra em suas páginas o espírito melancólico de final de século em que ele criou suas histórias. Uma carta que ele mandou a Flaubert, aos 28 anos, me chama a atenção, e na verdade foi o que me trouxe ao laptop. “Comer mulheres e ouvir homens sabichões me provocam tédio”, escreveu ele. “Os jornais parecem trazer sempre as mesmas notícias e não encontro maneiras diferentes de escrever uma frase.”
Maupassant teria sido submetido a uma forte dose de antidepressivos se fosse ao consultório de algum psiquiatra moderno, não tenha dúvida.
Flaubert não ficou muito comovido. Sobre o tédio sexual, aconselhou o pupilo a praticar a abstinência até que o calor voltasse a seu coração e com ele o desejo. Sobre o papo furado, sugeriu que fechasse os ouvidos. Sobre os jornais, que simplesmente parasse de lê-los. E sobre as frases, que procurasse com afinco que encontraria o que queria. “Talento é uma grande paciência”, dizia Flaubert, autor do clássico A Educação Sentimental, um romancista soberbo que reescrevia obsessivamente seus textos, lapidava o que já cintilava. (A Educação Sentimental é o romance predileto de um dos maiores escritores contemporâneos, Vargas Llosa, o peruano de quem todo mundo devia ler ao menos Travessuras da Menina Má.)
Tédio, voltando a Maupassant, ao “comer uma mulher”? Bocejos ao “finalizar” fêmeas parisienses, elas que são mestras na arte do amor? Que o palavrório cansativo de homens pedantes cause sonolência, entendo, até porque sinto o mesmo. Mas manchar a honra das admiráveis parisienses numa prática que elas dominam como ninguém, isso é insuportável para mim. Flaubert, em vez de sair em defesa das belles, mandou o discípulo ficar longe delas.
Maupassant, o marchand de prose, é grande nas letras, e Flaubert um gigante cuja cabeça rompe os céus.
Mas são um antiexemplo no sexo.
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