Como a ditadura militar deu origem ao Comando Vermelho

Atualizado em 29 de outubro de 2025 às 15:06
Em 1983, no Instituto Penal Cândido Mendes, localizado na Ilha Grande. Foto: Divulgação

O presídio da Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ), foi palco de uma chacina que marcaria a história do crime organizado no Brasil. Na madrugada de 17 de setembro de 1979, seis presos foram assassinados dentro do Instituto Penal Cândido Mendes por um grupo rival armado com colheres afiadas e pedaços de madeira com pregos.

O episódio, pouco noticiado na época, foi o ponto de partida da Falange Vermelha, grupo que, anos depois, passaria a se chamar Comando Vermelho (CV). Hoje, mais de 45 anos depois, o Comando Vermelho é uma das maiores facções criminosas do país, dominando mais da metade das comunidades controladas por traficantes na região metropolitana do Rio e atuando em pelo menos 20 estados.

A megaoperação das polícias Civil e Militar realizada nesta terça-feira (28), com mais de 60 mortos, tinha como alvo integrantes do grupo. A ação envolveu cerca de 2,5 mil agentes, resultou na prisão de 80 suspeitos e na apreensão de mais de 90 fuzis.

A origem do CV remonta aos anos da ditadura militar, quando o governo misturou presos políticos e criminosos comuns no presídio da Ilha Grande. O Instituto Penal Cândido Mendes, criado em 1963, passou a receber opositores do regime enquadrados na Lei de Segurança Nacional (LSN).

A medida foi adotada após o endurecimento do regime com o AI-5, em 1968, e agravou-se em 1969, quando um decreto ampliou o alcance da LSN e transferiu para a Ilha Grande assaltantes e ladrões sem vínculo com a luta armada.

As condições na penitenciária eram precárias, mas os presos políticos, jovens urbanos, escolarizados e organizados, criaram uma rotina disciplinada: dividiram alimentos trazidos pelas famílias, montaram uma biblioteca e até uma farmácia comunitária.

Em 1976, o Instituto Penal Cândido Mendes, localizado na Ilha Grande. Foto: Divulgação

A convivência forçada com criminosos comuns acabou sendo o estopim de uma troca de aprendizado: enquanto os militantes ensinavam noções de coletividade e organização, os ladrões absorviam táticas de resistência e articulação.

A partir dessa convivência, nasceram as primeiras formas de solidariedade entre os presos comuns. Eles aprenderam a se unir para reivindicar direitos básicos e, ao mesmo tempo, perceberam que a união era um instrumento de poder dentro do sistema prisional.

Assim surgiu a Falange LSN, que depois adotaria o nome Falange Vermelha, reunindo detentos que haviam aprendido com os presos políticos o valor da organização, mas usariam esse princípio para consolidar o controle pela violência.

Em setembro de 1979, a Falange Vermelha se impôs com um banho de sangue. Seis rivais foram mortos dentro da prisão, e o domínio do grupo passou a ser total. A penitenciária se transformou em uma escola do crime: quem entrava na Ilha Grande era obrigado a se filiar à facção ou enfrentava a morte. O controle do Estado sobre o presídio foi praticamente perdido.

A Falange, já rebatizada como Comando Vermelho, começou a expandir sua influência para outras unidades prisionais e, depois, para as ruas do Rio. Entre seus primeiros líderes estavam William da Silva Lima, o “Professor”, e Rogério Lemgruber, assaltante de bancos cujo nome chegou a batizar a facção como “Comando Vermelho Rogério Lemgruber”.

Nos anos 1980, com a desativação progressiva do presídio, concluída em 1994, os egressos da Ilha Grande levaram o modelo de poder do cárcere para as favelas cariocas, dominando o tráfico e impondo uma nova ordem paralela. Desde então, o CV se consolidou como uma das mais violentas e estruturadas organizações criminosas do país.

Guilherme Arandas
Guilherme Arandas, 27 anos, atua como redator no DCM desde 2023. É bacharel em Jornalismo e está cursando pós-graduação em Jornalismo Contemporâneo e Digital. Grande entusiasta de cultura pop, tem uma gata chamada Lilly e frequentemente está estressado pelo Corinthians.