Como a extrema direita conseguiu um resultado histórico na França

Atualizado em 19 de novembro de 2014 às 15:03
Marine Le Pen
Marine Le Pen

 

Publicado originalmente na DW.

 

“As pessoas estão cansadas de toda a política, dos escândalos que não param. Não se trata somente do presidente François Hollande, mas de toda a casta política.” Era essa a atmosfera, expressada por um francês à TV alemã, no último domingo (23/03), durante o primeiro turno das eleições municipais.

A insatisfação se refletiu nas urnas: a participação eleitoral foi de cerca de 60%, uma mínima histórica na França. Cada vez mais franceses se recusam a dar seu consentimento “aos representantes do povo” e, em contrapartida, as vozes que vão às urnas ganham um peso maior.

Apesar de não ter se candidatado em todas as cidades, o partido de extrema direita Frente Nacional (FN) conseguiu, em nível nacional, 4,7% de apoio nas urnas. Nas últimas eleições municipais, há seis anos, a legenda de Marine Le Pen teve apenas 1% de votos.

Em Hénin-Beaumont, no norte da França, o candidato do FN conseguiu a maioria absoluta no primeiro turno. Em outras cidades, os políticos do partido também ficaram à frente de seus concorrentes socialistas e de centro-direita. O segundo turno, marcado para o domingo (30/03), pode surpreender.

“Eu não voto, mas ninguém hoje pode dizer que a Frente Nacional é um perigo”, declara um francês. E, de fato, a extrema direita parece ter conseguido sair do ostracismo na política na França.

Segundo explica a jornalista francesa Pascale Hugues, em entrevista a uma rádio alemã, há dez anos ninguém tinha coragem de assumir que era eleitor da FN. Hoje, afirma, conversa-se sobre isso durante o café ou jantar.

“Desde que a filha do fundador do partido, Marine Le Pen, assumiu o controle, a Frente Nacional se tornou socialmente aceitável, também porque ela não usa mais determinadas palavras-chave”, diz Ulrich Wickert, jornalista do canal alemão ARD, que foi correspondente na França durante anos.

Imagem renovada

O fundador do partido foi condenado com frequência devido às suas declarações em tom antissemita ou racista. “Marine Le Pen não faz mais isso. Ela quer provar que a FN pode fazer uma política séria, além de ter um objetivo a longo prazo, a eleição presidencial de 2017”, completa Wickert.

Para o cientista político alemão Marcel Lewandowsky, ainda há tendências racistas e antissemitas entre muitos integrantes da FN, mas esses temas não fazem mais parte da propaganda oficial.

“Isso fez com que o partido passasse a ser incorporado em camadas e ambientes que não estava antes”, destaca Lewandowsky, que diz não ter ficado surpreso com o resultado das eleições municipais.

Segundo o cientista político, por um lado, o estabelecimento de partidos de extrema direita como força política aceitável é uma tendência que vem de longo prazo. Por outro, há uma impressão catastrófica entre o povo sobre os dois grandes partidos: o Socialista, de Hollande, e a União por um Movimento Popular (UMP).

François Hollande, afirma o especialista, é o presidente mais impopular do país desde a Segunda Guerra, e a UMP está bastante enfraquecida após escândalos relacionados a Nicolas Sarkozy, antecessor do atual presidente no Eliseu.

Problemas sociais

“O desemprego tem um papel importante nesse cenário. Nenhum partido que esteve no governo, nem Sarkozy nem Hollande, conseguiram controlá-lo”, opina Wickert. Segundo o jornalista, o clima na França está deprimente, com muitos jovens procurando trabalho no exterior.

Além disso, continua Wickert, um acordo estabelecido entre os partidos praticado há tempos começou a estremecer. “No momento em que um candidato socialista estava à frente e seu concorrente era da FN, então a direita votava no socialista. Quando a direita estava na frente e o concorrente era da FN, então os socialistas votavam na direita. Mas o acordo foi cancelado pela direita”, completa o jornalista.

O poder de prefeitos e vereadores na França é limitado, lembra Lewandowsky. Mas diante de uma eventual vitória no segundo turno, a influência política dos representantes da FN seria clara. “Eu atribuiria um forte efeito simbólico ao fortalecimento da FN nas eleições municipais, porque o partido pode ser vender como terceira força no sistema partidário. Eu acho que isso não deve ser menosprezado”, assinala o cientista político.

A Frente Nacional também gosta de se perceber como terceira força, mas Wickert acha esse conceito um pouco forte. Ele não acredita que Marine Le Pen ou outro candidato do partido tenha alguma chance na eleição presidencial.

Lewandowsky é também cuidadoso com previsões. “Depende se os socialistas, com Hollande, conseguirão se estabilizar, se ele conseguirá melhorar sua performance ou imagem pública, e se a UMP conseguirá se vender como alternativa aos socialistas. Caso contrario, eu acho impossível que a extrema direita ganhe força na França”, afirma.