
No último dia 22, Malu Gaspar publicou um texto em seu blog no jornal O Globo afirmando que tinha ouvido de seis “fontes” diferentes que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes havia procurado o presidente do Banco Central, em conversas particulares em que apenas os dois participaram, para falar em defesa do Banco Master.
Quer dizer: as fontes de Malu não ouviram a conversa, apenas relatos sobre a conversa. Assim, um dos participantes da conversa teria que ter contado seu teor para, pelo menos, seis pessoas, e todas elas são fontes de Malu Gaspar, que confia plenamente na precisão de seus relatos, já que o título de seu texto afirma categoricamente que Moraes intercedeu em nome do banco privado junto ao presidente do BC.
Temos o caso da criação de uma reportagem sem provas para dar origem a uma denúncia na Justiça que gera uma nova reportagem.
Nem Malu e nem suas fontes possuem qualquer prova de que esses relatos são verdadeiros. Mas Malu acredita em suas fontes e espera que o leitor também acredite, muito embora não conte a ninguém quem elas são. As seis fontes não querem ter seus nomes divulgados, não apresentam qualquer prova do que afirmam nem explicam como obtiveram a suposta informação.
Assim, trata-se de um texto imprestável para o processo judicial, que trabalha com provas, que são de três tipos: documental, pericial e testemunhal. O texto de Malu não traz qualquer uma delas, já que a prova testemunhal, por óbvio, só pode ter algum valor quando a testemunha é conhecida, tem nome, sobrenome, RG.
Tal fato não impediu que políticos à direita no espectro político passassem a protocolar acusações e pedidos de investigação junto à Procuradoria-Geral da República. Tais pedidos vêm sendo sistematicamente recusados, dada a total falta de provas ou indícios válidos que justifiquem a abertura de um procedimento investigatório de um órgão de fiscalização oficial.
O último pedido foi protocolado na segunda (30), pelo vereador de Curitiba Guilherme Kilter, do Partido Novo. Ele não incluiu em seu pedido qualquer informação adicional aos relatos anônimos (e, portanto, imprestáveis juridicamente) que Malu Gaspar publicou em seu blog. Assim, é de se imaginar que tal pedido deverá ter o mesmo destino que os anteriores.
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Ainda assim, no mesmo dia da protocolação do pedido, Malu Gaspar já publicou em seu blog que, graças ao seu texto anterior com fontes anônimas, um “novo pedido para investigar Moraes havia sido entregue à PGR”.

É um sistema de retroalimentação: a reportagem sem prova gera uma acusação sem prova que gera uma nova reportagem que usa como fonte a acusação e a reportagem original.
Ação do jornal é idêntica à que utilizou para dar origem ao processo do triplex de Moro
A tendência atual – a julgar pelo que diz a lei e pelas decisões até agora proferidas pela PGR – é a de que os relatos apócrifos de Malu Gaspar não gerem qualquer consequência jurídica. Por que, então, tanto a titular do blog quanto a organização empresarial para a qual trabalha acham que poderão gerar, com seu texto de fontes anônimas, uma denúncia e, até, eventual condenação de quem acusam de tráfico de influência (o ministro Alexandre de Moraes)?
É porque esse mesmo ardil, utilizado por esse mesmo jornal, já deu certo em um passado recente, no âmbito da extinta Operação Lava Jato, do Ministério Público Federal no Paraná (MPF-PR), tendo como alvo da acusação apócrifa da vez o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A reportagem que deu origem ao processo do triplex que o ex-juiz Sergio Moro dizia ser de Lula é de autoria da repórter Tatiana Farah, e foi publicada no jornal O Globo no dia 10 de março de 2010. Foi a repórter quem disse, pela primeira vez, que o triplex pertencia ao então ex-presidente.
Assim como Malu Gaspar faz agora, Tatiana Farah não apresentou qualquer prova nem revelou quem tinha passado a ela a “informação”. É ler para crer.

A diferença entre um caso e outro é uma só: enquanto a PGR, agora, recusa-se a tratar com relevância jurídica um texto baseado em fontes apócrifas, o então procurador do MPF-PR Deltan Dallagnol e o então juiz Sergio Moro entenderam que a reportagem sem provas e fontes do jornal era suficiente para denunciar e, depois, condenar o acusado (Lula), ainda que ele nunca tendo morado no tal imóvel nem tenha figurado como seu proprietário nas escrituras cartorárias. As fontes de Tatiana Farah e do jornal carioca valeram mais do que as provas documentais.
Ao acatar a denúncia de Dallagnol, Moro deixou bem claro que o fazia baseado na reportagem de fontes anônimas do jornal O Globo. Abaixo, segue trecho da decisão:
“Corrobora a consumação dessa operação de lavagem de capitais, em 2009, o fato de que, alguns meses após a assunção do empreendimento Mar Cantábrico pelo Grupo OAS, em 10 março de 2010, foi publicada matéria pelo Jornal ‘O Globo’ intitulada ‘Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado’. Essa matéria dava conta de que o então presidente Lula e Marisa Letícia seriam contemplados com uma cobertura triplex, com vista para o mar, no referido empreendimento” .
Depois, seguindo o mesmo roteiro repetido agora por Malu Gaspar, o próprio jornal O Globo utilizou a denúncia do MPF-PR, que tinha como fonte a reportagem sem prova do jornal, para criar uma nova reportagem, retroalimentando o sistema e completando o ardil.

Mídia comercial adere à acusação sem provas e replica como verdade os relatos apócrifos
O último ato da orquestração para transformar relatos apócrifos em fato consumado e com valoir jurídico se dá com a adesão dos outros órgãos da imprensa comercial à reportagem de fontes anônimas original, dando ares de verdade ao que nunca restou provado.
Tal expediente foi utilizado à exaustão no período da Lava Jato. Jornalistas do jornal O Globo, como Sergio Roxo e Merval Pereira, publicavam “reportagens” baseadas em offs e sem documentos comprobatórios, que eram republicadas como verdade por jornalistas como Eliane Cantanhêde e Vera Magalhães, as duas então no jornal Estado de S.Paulo, ou Kátia Seabra, da Folha de S.Paulo. E vice-versa.
Atualmente, a estratégia se repete. No último dia 22, por exemplo, o maior portal de notícias do país, o UOL, que pertence ao Grupo Folha, publicou reportagens e vídeos dizendo que “Moraes procurou Galípolo para interceder pelo Master no BC”. Qual é a fonte do portal, que se orgulha de possuir uma equipe de mais de 300 jornalistas, para publicar tão relevante informação? Apenas a reportagem de fontes anônimas de Malu Gaspar.

Um dia após a publicação do UOL, a jornalista Eliane Cantanhêde, do jornal o Estado de S.Paulo, foi além: não apenas republicou como verdade a reportagem original de Malu Gaspar como adicionou uma nova e bombástica “informação”: a de que “Alexandre de Moraes chegou a ligar seis vezes em um dia ao Banco Central para tratar do Banco Master”.

Quer dizer: o jornal publica não apenas o “fato” de que Moraes fez seis ligações telefônicas em só dia para o presidente do BC, mas conta também qual foi o teor da conversa entre os dois, conversa esta unicamente escutada pelos dois participantes do diálogos, salvo a existência de alguma interceptação telefônica, ilegal ou autorizada pela Justiça.
Então, como o jornal ficou sabendo do teor desses diálogos ou até de sua mera existência? Quais são suas provas documentais, periciais ou testemunhais para acusar um ministro do STF de tráfico de influência? Resposta: as fontes anônimas de Eliane Cantanhêde.
Parece piada, mas não é. É ler para crer. Afinal, é possível acreditar em qualquer coisa quando se tem muita vontade.