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Como aprendi a ser carioca? Achando normal viver com medo. Por Tiago Tadeu

Rio de Janeiro. Em um ano e meio vivendo na Cidade Maravilhosa, ela já me transformou.

Vivia com medo. Agora banalizei o medo. Não sei o que é pior.

Me lembro da despedida de São Paulo, onde passei dez anos entre amor e ódio, conselhos de amigos que conheceram ou moraram no Rio e o que diziam, alguns com um pouco de inveja, que eu iria adorar, praia, sol, mar e natureza.

É verdade, o Rio é demais! O sol às vezes incomoda no verão de tão quente, mas a cidade é linda e as pessoas, ao contrário das de São Paulo, sempre estão andando na rua, sempre tem movimento, crianças, jovens, velhos, gringos, mendigos — e a polícia, é claro.

É o lugar que você vê o abismo social brasileiro na sua cara, na sua corridinha pela praia, na sua água de coco, no boteco com chorinho, nas quadras de escola e, é claro, nas favelas.

Me considero privilegiado por morar no bairro de Botafogo, na Zona Sul, minha rua é diferenciada, uma bolha. 

Na minha rua não tem tanta violência (“apenas” uma perseguição com troca de tiros, sem contar que às vezes dá para ouvir uns “pipocos” lá do Dona Marta), existe uma delegacia, um quartel da Guarda Municipal. Costumo falar que é o único lugar onde consigo usar o celular andando na rua sem medo de ser assaltado.

É normal morar no Rio e ter medo de ser assaltado.

Tem muita coisa normal no Rio.
Não estranhe se se alguém te parar pedindo para comprar comida e não dinheiro. Não estranhe se ouvir algo que pareça tiros ou gente assustada com cano de descarga estourado de uma moto. É normal tremer com barulhos assim.

Não estranhe se presenciar um monte de crianças dormindo no chão, morando e usando a praia como banheiro.

Não estranhe se a polícia em um protesto pacífico jogar bomba e dar tiro de bala de borracha. É normal no Rio a polícia bater sem dó e não entender que muita gente junta não é sempre arrastão.

Não estranhe os tanques de guerra na rua. É normal no Rio o Exército fazer o papel da Polícia Militar.

Para os cariocas tudo é normal.

Hoje é até normal fechar universidades. Veja a UERJ. Normal, né?

Bom, eu não acho, só não sei para onde ir. Talvez me mude para a Barra.

Mas o Rio me transformou. Me deixou mais brasileiro.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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