
O risco de uma guerra entre Estados Unidos e Venezuela voltou ao centro do debate internacional e já provoca apreensão no Brasil, que observa da fronteira norte a escalada de hostilidades. A possibilidade ganhou força após Donald Trump afirmar que ataques ao território venezuelano devem começar “em breve”, deixando aberta até mesmo a hipótese de operações terrestres. O clima de confronto se intensificou após o envio de tropas estadunidenses ao Caribe e ao Pacífico sob a justificativa de combater o narcotráfico.
Para especialistas, qualquer ruptura militar na Venezuela teria efeito imediato em solo brasileiro. O país compartilha mais de 2.200 quilômetros de fronteira com o vizinho e já enfrenta desafios decorrentes da crise venezuelana.
Entre 2015 e 2024, mais de 568 mil migrantes entraram no Brasil, pressionando serviços de saúde, educação e assistência social em Roraima e Amazonas. Um conflito ampliado multiplicaria essa pressão e poderia recrudescer episódios de xenofobia e tensões locais.
Os impactos, no entanto, não se resumem à migração. Roraima é o único estado brasileiro fora do Sistema Interligado Nacional e depende de linhas energéticas provenientes da Venezuela. O professor de Relações Internacionais da ESPM, Roberto Uebel, alertou em entrevista à Veja para o risco concreto de colapso energético caso o fornecimento seja interrompido.
“Qualquer instabilidade na Venezuela pode causar uma instabilidade no fornecimento de eletricidade para Roraima”, afirmou. Ele reforçou que, diante de um cenário de conflito, “o estado poderia estar a mercê de apagões e desabastecimento de energia, o que seria muito prejudicial para a economia local, para a população de modo geral e até mesmo para a questão de ordem e segurança pública”.
A fronteira amazônica também seria vulnerável a impactos logísticos e econômicos, por concentrar rotas de circulação de insumos e mercadorias na região Norte.
“Estamos falando de uma região muito estratégica para o Estado brasileiro, que é a Amazônia, uma região de escoamento de produção, de chegada de bens, de trânsito de pessoas, uma região estratégica logística de toda a região Norte”, explicou Uebel.
No campo diplomático, o governo Lula passaria a enfrentar uma das crises mais sensíveis de sua atual gestão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantém interlocução com Nicolás Maduro ao mesmo tempo em que tenta reconstruir a relação com os Estados Unidos, abalada por disputas comerciais e pela situação jurídica de Jair Bolsonaro, aliado de Trump. Um conflito regional colocaria o Brasil diante da difícil tarefa de equilibrar suas posições sem perder protagonismo.

Para o professor Paulo Velasco, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, uma escalada militar colocaria em xeque a imagem do Brasil como mediador sul-americano.
“O Brasil é visto internacionalmente como uma espécie de síndico da América do Sul. Um país que, pelo peso e envergadura que tem em termos populacionais, territoriais e econômicos, coloca-se como garantidor da ordem, paz e estabilidade no território sul-americano”, afirmou.
Segundo ele, fracassar na mediação de uma crise desse porte teria consequências diretas para a diplomacia brasileira. “Se houver, de fato, um cenário de escalada que leve a alguma forma de conflagração, isso será um fracasso diplomático. O Brasil terá se mostrado incapaz de atuar nessa crise, por mais que tenha apelado às duas partes para buscar entendimento. É um custo de imagem, será uma derrota”, concluiu.