Como Bolsonaro mija simbolicamente nos pés do mainstream. Por Luis Nassif

Atualizado em 7 de fevereiro de 2021 às 23:32

Publicado originalmente no Portal GGN 

Por Luís Nassif

Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP

Repito o que venho dizendo: na análise da política brasileira, o ponto central são os negócios da privatização. É o fio condutor, a explicação universal para as idas e vidas do mainstream, para a fogueira da inquisição e para supostas soluções civilizatórios.

Explico: quando se insurge contra um ou outro arroubo de Bolsonaro e clama por direitos e democracia, o mainstream está de olho nos negócios da privatização. Não são os mais de 200 mil mortos, o desmonte das políticas públicas, a inviabilização do futuro do país. São formas utilitárias de pressão para que Bolsonaro não disperse e foque suas energia nos negócios da privatização.

A maior sabedoria de Bolsonaro não é o modo como fala para a classe média desinformada que se deixa enrolar. É o aprendizado prático – e, convenhamos, não muito complexo – de saber que o mainstream se vende e aprender como se compra. Simples assim.

Nos seus tempos de capitão raso e deputado do baixo clero, Bolsonaro acumulou ódio a tudo o que representasse o mainstream por não ser aceito no baile. E não era aceito apenas por sua notória ignorância, pelas ideias selvagens, mas por não ter dinheiro para o ingresso.

Agora tem. E, louve-se sua coerência: mantém a mesma atitude dos tempos em que não conseguia entrar no baile: ele compra e continua desprezando o mainstream. Assim que assina a nova promissória, se sente à vontade para repetir todas as barbáries, faz questão de, publicamente,  mijar simbolicamente nos pés do mainstream, porque sabe que o mainstream brasileiro é hipócrita. Tipo: comprei, paguei e posso fazer o que quiser. E o mainstream baixa a cabeça, invoca os sagrados princípios democráticos, a importância do voto e diz em tom grave: não é hora de falar em impeachment.

Aliás, pode-se discutir o lugar brasileiro no ranking da percepção de corrupção, do combate à pandemia. Mas há um primeiro lugar imbatível: o de país mais hipócrita do planeta.

O jogo fica assim, então.

Bolsonaro emperra nas tais reformas. Invoca-se, então, o genocídio para pressioná-lo. Aí ele elege o novo Eduardo Cunha presidente da Câmara e promete incluir os negócios da privatização nas prioridades do governo. FHC vai a público dizer que não é hora de falar em impeachment, que o uso continuado do impeachment pode comprometer a democracia.  A mídia refreia os ataques. E os 200 mil (até agora) ficam na conta, para serem invocados novamente se Bolsonaro atrasar a entrega.

Paralelamente, as conversas dos procuradores e do juiz da Lava Jato revelam uma promiscuidade ostensiva como um vômito no meio de um restaurante dos Jardins. Não tem como Luis Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Carmen Lúcia, Luiz Fux ignorar a manipulação da Lava Jato. Os diálogos revelam, da maneira mais didática possível, como as denúncias foram preparadas, como criaram-se narrativas e pressionaram delatores a apresentar delações, não provas, documentos.

A propósito, a Operação Castelo de Areias – que pegava empreiteiras, mas sem desdobramentos políticos – foi anulada porque levantou-se a tese de que seu início veio de uma denúncia anônima.

Tenta-se criar, então, uma versão iluminista para continuar mantendo a democracia meia-boca. Pode-se anular o julgamento do Triplex, mas Lula continuará inelegível por conta do sitio de Atibaia, porque a sentença foi dada por outro magistrado, a juíza Gabriela Hardt. Ah, mas ela sentenciou com base em um processo inteiramente conduzido por Moro, inclusive copiando integralmente parágrafos inteiros de sentenças dele para o caso do triplex. Tem algum diálogo sobre isso na Vaza Jato? Não, porque a Vaza Jato é anterior. Então toca o enterro.

Repito: consolidada a nova jogada, a herança moral legada por esses magistrados acompanhará todos seus descendentes por gerações, com o peso de uma maldição. Ficarão ruborizados lendo, nos jornais da época, que o iluminado Ministro Luís Roberto Barroso dizia  que o mal do Brasil era a malandragem do andar de baixo. E seus colegas concordavam.

PS – Enquanto Manaus arde, a nova cepa se espalha pelo país e as instituições fecham acordos indecorosos, e Bolsonaro prossegue com seu genocídio, Lula vai para Cuba. E, na volta, lança candidato à presidência. Até Lula perdeu a sensibilidade para a grande tragédia nacional.