Como Bolsonaro usou sua mulher para tentar se vingar da classe artística no Congresso. Por Leandro Fortes

Atualizado em 23 de novembro de 2022 às 18:53
Michelle Bolsonaro discursando durante comício em Juiz de Fora
Foto: Ricardo Moraes

 

No apagar das luzes de um governo, curiosamente, marcado pelas trevas, a primeira-dama Michelle Bolsonaro iniciou um ataque à classe artística brasileira, à sorrelfa, para aprovar o Projeto de Lei 3968, de 1997, que suspende o pagamento de direito autorais para órgãos públicos e entidades filantrópicas. O PL, de autoria do ex-deputado federal Serafim Venzon, então no PDT de Santa Catarina, servia ao lobby descarado do setor hoteleiro brasileiro, mas era considerado tão esdrúxulo que dormitou nas gavetas da Câmara dos Deputados por 23 anos, até ser resgatado por dois vírus: a Covid-19 e o bolsonarismo.

Assim, em 2020, em meio à pandemia do novo coronavírus, o PL do calote de direitos autorais caiu nas graças da alcovitagem neoliberal comandada por Paulo Guedes e um pedido de urgência operado pelo deputado Newton Cardoso Júnior (MDB-MG)  colocou o assunto em pauta com outros penduricalhos para agradar um público mais amplo. Assim, o que antes havia sido bolado para isentar os hotéis e motéis de cobrar direitos autorais de músicas executadas nos quartos, ganhou o mundo. O texto foi estendido para suspender o pagamento de direito autorais para órgãos públicos e entidades filantrópicas, aí incluídas igrejas neopentecostais vinculadas à extrema-direita bolsonarista, empenhadas em garantir a livre execução de obras de audiovisual nos cultos e, ao mesmo tempo, dar calote na milionária indústria de música gospel. Ou seja, crente comendo crente.

Na época, uma carta pública assinada por mais de 30 entidades – sociedades de gestão coletiva, associações de classe, grupos representantes da música e da cultura e entidades internacionais – foi enviada para os deputados. O texto trazia críticas severas ao PL, mas o requerimento de urgência foi aprovado por 350 a favor, 19 contra e 3 abstenções. Dessa forma, o texto passou a ter prioridade na pauta do plenário. Acabou não sendo votado, mas permaneceu, até agora, como uma espada de Dâmocles sobre a cabeça da classe artística.

Dois anos depois, na terça-feira, 22 de novembro, as entidades que monitoram as pautas sobre direitos autorais no Congresso Nacional, notadamente, a União Brasileira de Compositores (UBC), foram notificadas que, embora acoitado no Palácio da Alvorada, Bolsonaro ordenou ao líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), reiniciar a tramitação da PL do Calote, de modo a votá-la em um momento de distração da oposição. Era a vingança de um presidente derrotado que nunca perdoou a movimentação antifascista dos artistas, sobretudo no segundo turno das eleições, quando até parte da ala conservadora da categoria se uniu aos progressistas para dar a vitória eleitoral a Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.

Para engendrar essa vingança mesquinha, nos estertores de um mandato fortemente dedicado a destruir a cultura nacional, Bolsonaro escalou também a mulher, Michelle, a fanática que fala línguas e fez exorcismo na cozinha do Alvorada, para garantir o apoio dos pastores evangélicos. Oficialmente, no entanto, a primeira-dama estaria empenhada pessoalmente pela aprovação do PL para garantir a isenção do pagamento de direitos autorais para entidades filantrópicas, a pedido de uma associação que atende a pessoas com deficiência visual, e com a qual ela, aparentemente, colabora.

Na prática, com a aprovação do projeto, milhares de prefeituras estariam autorizadas a dar calote em dívidas já existentes de direitos autorais e, na prática, iniciar um processo de extinção de produção cultural para festas populares como o carnaval, em todo o País.

De imediato, iniciou-se uma contraofensiva que envolveu desde a produtora musical Paula Lavigne, mulher de Caetano Veloso, ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. Mas, por enquanto, sem sucesso. Caso a votação não ocorra ainda hoje, dia 23, Bolsonaro espera levar o texto ao plenário, na semana que vem. O casal tem pressa: o projeto, depois de 25 anos, corre risco real de ser finalmente arquivado caso se não seja votado até o próximo dia 31 de dezembro.

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