Como Dallagnol se tornou lobista de empresa cotada na Lava Jato. Por Luis Nassif

Atualizado em 5 de setembro de 2019 às 7:37
Deltan Dallagnol em palestra. Foto: Reprodução/Jornal GGN

Publicado originalmente no jornal GGN

POR LUIS NASSIF

Peça 1 – a palestra paga

No dia 26 de julho, a Folha e o The Intercept noticiaram palestra paga do procurador Deltan Dallagnol para a empresa Neoway.

A palestra foi em 9 março de 2018 e a Neoway pagou R$ 33 mil de cachê. Dois anos antes, a empresa já havia aparecido nos diálogos dos procuradores como implicada nas investigações da Petrobras.

Antes mesmo da palestra, Dallagnol se mostrou um fã entusiasmado da empresa.

Mesmo espírito nosso, veja: O desafio qualificado, aliás, é o que mantém a moçada na pilha – e o barco a todo vapor. “Aqui, ninguém pode reclamar de monotonia”, diz, satisfeito. A psicologia reversa faz maravilhas na Neoway. “É só dizer: ‘isso aqui ninguém vai conseguir fazer’, que aparece sempre alguém para resolver. Pode ser que fique três finais de semana trancado numa sala, mas entrega pronto, todo feliz”. Leia mais em Endeavor @ https://endeavor.org.br/historia-jaime-de-paula-neoway/

Dallagnol não ficou nisso. Gravou um vídeo para a Neoway elogiando suas ferramentas tecnológicas para investigações. A empresa trabalha com análise de bigdatas. Dois dias depois da palestra, Dallagnol agendou uma reunião entre a empresa e os procuradores. A intenção era a de que a Neoway fornecesse os sistemas para a Lava Jato sem custo.

Só quatro meses depois da palestra, no dia 21 de julho de 2018, Dallagnol informou o grupo ter descoberto que a Neoway havia sido citada na delação premiada de Jorge Luz, operador do PMDB na Petrobras – o mesmo que atuou em defesa da empresária Patrícia Coelho (clique aqui), poupada pela Lava Jato após doar R$ 1 milhão para o Instituto MUDE, de apoio às 10 Medidas.

Peça 2 – quem é a Neoway

A Neoway é um dos poucos unicórnios brasileiros – nome que se dá a empresas que possuem avaliação de mercado de mais de um bilhão de dólares. É uma empresa especializada em trabalhar e analisar grandes massas de dados. Serve para grandes lojas de varejo definir em quais produtos darão desconto, quais os refrigerantes que você comprou no último mês no seu supermercado.

Seu criador foi Jaime de Paula, um engenheiro eletrônico, a partir da tese de doutorado que defendeu.

No começo, a empresa estava focada em marketing e vendas. Com o tempo, descobriu o promissor mercado do compliance. O sistema ajuda a definir o que é melhor em um processo, se o acordo ou o litígio; para ajudar bancos a estimar quanto precisarão provisionar contra devedores duvidosos. Depois, descobriu o mercado das Procuradorias da Fazenda estaduais.

Peça 3 – os clientes da Neoway

A empresa tem uma política de vendas bastante agressiva. Ela paga de 20 a 40% para os revendedores, percentuais altíssimos que permitem grandes margens de manobra nas vendas.

Ela passou a ser investigada pela Lava Jato justamente porque pagou comissões vultosas para um lobista fechar contrato com a Petrobras. O agente pagou a propina e declarou em uma delação premiada.

A Neoway fechou diversos contratos com procuradorias estaduais baseados em uma pretensa inexigibilidade (fornecedor único). Essa inexigibilidade foi sugerida pelo Deltan Dallagnol nos diálogos do Telegram revelados pela FOLHA/INTERCEPT:

À noite, Dallagnol voltou ao chat para marcar a reunião com representantes da empresa.

“Caros podem receber a Neoway de bigdata na segunda para apresentar os produtos???? Ou quarta?”. Ele diz que a companhia cogitava fornecer produtos gratuitamente. “Como fiz um contato bom aqui valeria estar junto. Eles estão considerando fazer de graça. O MP-MG e está contratando com inexigibilidade.”

No contrato fechado com a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, o edital inclui um conjunto de itens direcionados.

Havia exigências que não são necessárias a uma Procuradoria como, por exemplo, mineração de dados de Escolas ou Lançamento de Prédios, mas que são produtos da Neoway, indicando que o Edital foi feito de forma direcionada para a empresa.

Por exemplo

  1. Um dos itens exigia cadastro do profissional dentista. Não havia explicações porque especificamente dentista.
  2. Exigia ficha completa de responsáveis por obras em andamento. Pouco antes, a Neoway havia comprado uma empresa de nome Criactive que tinha esses dados. Com isso se tornou o único bureau de dados com essa informação. Considerando o escopo da licitação, não fazia sentido exigir esses dados.
  3. Exigia dados censitários de alfabetização, alimentação fora do domicílio e outros existentes nos censos do IBGE. Dados censitários não são ferramentas para localizar devedores e o IBGE fornece esses dados gratuitamente.
  4. Cadastro geral de escolas, com nome, mantenedora, telefone, fax, e-mail, etc.

O valor total do contrato era de pouco mais de R$ 6 milhões. Havia uma proposta de empresa concorrente de cerca de R$ 2 milhões, mas que foi desclassificada por não cumprir as exigências do edital.

Peça 4 – as consequências da Lava Jato

Esta semana, um comunicado interno da Neoway informou sobre a renúncia de Jaime da Paula, que era a própria alma da empresa.

Comunicamos a renúncia de Jaime de Paula da presidência e do conselho de administração da Neoway. Carlos Eduardo José Monguilhott, o Kadu, assume, interinamente, a função de CEO com total responsabilidade pelos negócios, e Andrew Prozes assume a posição de Executive Chairman. Kadu irá se reportar a Prozes.

A informação é de que está com a família de saída do país.

As investigações da Lava Jato indicarão quem são os intermediários que receberam comissões sobre as vendas da empresa. Poderá levantar, também, quem foram os intermediários das vendas para as Procuradorias da Fazenda e Ministérios Públicos estaduais.

Não há nenhum indício de que Dallagnol tenha se beneficiado de sua propaganda da empresa. Mais do que nunca o ditado sobre a mulher de César precisa ser acatado. E para que o caso seja entregue a procuradores independentes em relação a Lava Jato.