
Quando “De Olhos Bem Fechados” estreou em 1999, a reação foi morna. Mesmo sendo a obra final de Stanley Kubrick — que morreu seis dias depois de entregar a versão definitiva à Warner Bros — o público e parte da crítica não soube como reagir à narrativa lenta sobre o casamento do médico Bill Harford e de Alice, vividos por Tom Cruise e Nicole Kidman, que também eram casados na época.
Além disso, cenas em que o casal aparece chapado ou em momentos íntimos causaram mais estranhamento do que sedução. Cruise, já distante da imagem de galã dos anos 1980, parecia um tio esforçado tentando bancar o sedutor numa orgia ao lado da esposa elegante e distante.
Com o tempo, porém, o filme passou por revisões favoráveis. Vinte e seis anos após o lançamento, está na mais atual do que nunca. Os figurinos de máscaras e capas usados no longa estão entre os mais procurados para o Halloween.
A história envolvendo Jeffrey Epstein — condenado por tráfico sexual e ligado a homens ricos e influentes, como Donald Trump, o príncipe Andrew, Bill Gates, Ehud Barak, entre outros — alimentou ainda mais esse interesse pela obra-prima de Kubrick.
As semelhanças entre o personagem Victor Ziegler, interpretado por Sydney Pollack, e Epstein são evidentes: aparência, trejeitos, fortuna sem explicação clara e posição central dentro da orgia mascarada, frequentada por figuras tão poderosas que, segundo ele, “se eu dissesse os nomes, você não dormiria bem à noite”.
Jovens estão reinterpretando o filme como um roteiro do caso Epstein com referências que vão de mitologia grega a ópera, passando por arte e figuras polêmicas que antecederam ou conviveram com o financista: Vladimir Nabokov, Woody Allen, Arthur C. Clarke, membros da família real britânica e Tchaikovsky.
“De Olhos Bem Fechados” foi inspirado na novela austríaca “A História Sonhada”, de 1926, escrita por Arthur Schnitzler. Há uma corrente que acha que o final do filme deixa claro que Helena, filha de Bill e Alice, não caminha para outra área da loja de brinquedos, mas é sequestrada pelos mesmos homens que estavam na festa de Natal de Ziegler.
Na internet, youtubers afirmam que Kubrick teria sido eliminado por “revelar demais sobre as elites” em seu último longa, o que lhes lembra a desconfiança envolvendo a morte de Epstein — vista por milhões como algo diferente de suicídio e ligada a forças ocultas.

Mas por que tantos jovens que eram pequenos — ou nem tinham nascido — quando o caso Epstein ganhou proporção, e quando “De Olhos Bem Fechados” foi lançado, estão tão envolvidos com ambos os episódios?
Um dos motivos tem relação com elementos que lembram contos de fadas. Essas histórias eram feitas para ensinar e assustar crianças ao mesmo tempo. Nelas, quem desobedecia acabava punido até ser salvo por figuras como príncipe, caçador ou fada-madrinha. O filme tem esse traço e, assim como contos, conversa com teorias conspiratórias: narrativas simples que prometem revelar verdades sombrias sobre o ser humano.
“De Olhos Bem Fechados” costuma ser lido como um aviso sobre os riscos de se aproximar demais do poder. Nada ali é gratuito: o tigre de pelúcia que aparece repetidas vezes, o símbolo da águia de duas cabeças no trono da cena da orgia, cada enquadramento.
Kubrick não montava seus filmes como um improviso. Cada detalhe foi pensado de maneira cirúrgica, cada cena funciona como uma fotografia milimetricamente composta.
Há quem veja no filme um mapa simbólico. Outros se concentram no jogo emocional entre os personagens. E há aqueles que tratam a obra como uma crítica direta às estruturas que concentram influência e moldam comportamentos. Em todos os casos, “De Olhos Bem Fechados” continua a gerar leitura atrás de leitura porque abre espaço para isso, sem nunca entregar respostas prontas.
Kubrick levou consigo o sentido último da obra. Em entrevista à Playboy, em 1968, ao comentar “Dr. Fantástico”, ele disse que o vazio da vida força cada pessoa a criar o próprio significado. Para ele, “seguimos como alguém em um barco sem leme, num mar desconhecido, e só permanecemos sãos se tivermos alguém por quem nos importar ou algo maior do que nós mesmos”.
“De Olhos Bem Fechados” acabou assumindo esse papel para muitos espectadores, que encontram no filme uma espécie de abrigo intelectual e emocional. Parte do fascínio vem justamente dessa busca quase hipnótica por descobrir, como diz uma das falas mais marcantes, onde termina o arco-íris.