Como educar as crianças segundo Montaigne. Por Camila Nogueira

Atualizado em 20 de dezembro de 2015 às 20:01
Michel de Montaigne (1533 - 1592)
Michel de Montaigne (1533 – 1592)

E então lá vamos nós a mais um capítulo em nossa série “Conversas com Escritores Mortos”. Montaigne, em seus Ensaios, escreveu sobre como educar crianças, a pedido de uma amiga sua que estava grávida e queria saber como ser uma boa mãe. Boa leitura.

Monsieur de Montaigne, um de seus ensaios mais interessantes faz referência à educação crianças. O que pode nos dizer sobre isso?

Posso resumir para você em algumas palavras: Devemos fazer com que, onde as crianças encontram seu proveito, encontrem também seu prazer. Devemos adoçar os alimentos saudáveis para as crianças e colocar fel nos que lhe são nocivos.

E como podemos fazer isso?

Fortalecendo-lhe a alma.

Só?

Não. Não basta fortalecer a alma, também é preciso endurecer-lhe os músculos. A alma é pressionada demais se não for amparada; e já tem muito a fazer para acudir, sozinha, as duas tarefas.

Endurecer-lhe os músculos? De que forma?

É preciso acostumá-lo ao sofrimento e à dureza dos exercícios, a fim de treiná-lo para o sofrimento e a dureza da luxação, da cólica, do cautério e da prisão. Pois ele pode ser exposto a qualquer uma delas, uma vez que atingem tanto os bons quanto os maus.

O senhor foi criado dessa maneira?

De modo algum. Fui criado na indolência. E é exatamente por isso que sei o quanto labuta a minha alma em companhia de um corpo tão tenro, tão sensível, que se deixa abandonar sobre ela. Vi homens, mulheres e até crianças para quem uma paulada é menos que um piparote em mim.

E quanto às habilidades sociais?

Que o instruam sobretudo para render-se e depor as armas diante da verdade, sem demora, assim que a perceber, quer ela surja das mãos de seu adversário, quer surja nele mesmo por alguma reconsideração. O silêncio e a modéstia são qualidades muito úteis na conversação. Essa criança deve ser educada para poupar e moderar seu saber, quando o adquirir, para não se melindrar com as tolices e fábulas que serão ditas em sua presença; pois é descortês e inoportuno criticar tudo o que não é de nosso gosto. Como dizia Sêneca, pode-se ser sábio sem pompa nem arrogância.

E em relação à cultura?

Que proveito não tirará da leitura das Vidas de nosso Plutarco? Mas que meu guia se lembre do que visa sua tarefa; e que inculque em seu discípulo menos a data da ruína de Cartago do que os costumes de Aníbal e de Cipião; nem tanto onde morreu Marcelo como por que foi indigno de seu dever e lá morreu.

E os prazeres?

O essencial é a moderação. Ela é a mãe nutriz dos prazeres humanos. Tornando-os justos, tornando-os seguros e puros. Moderando-os, mantém-lhes o alento e o apetite. Suprimindo-nos aqueles que recusa, aguça-nos para aqueles que nos deixa, pois detém o guloso antes da indigestão, o beberrão antes da bebedeira, o libertino antes do sífilis

Devemos versar nossos filhos na filosofia?

É claro. Devemos empregar o tempo, que é tão curto, nos ensinamentos necessários e livrar-nos de todas essas minudências da dialética: São abusos com que nossa vida não pode melhorar – pegai os simples discursos da filosofia, sabeis escolhê-los e tratá-los como se deve, são mais fáceis de compreender do que um conto de Bocaccio.

Camila Nogueira
Aos 19 anos, Camila Nogueira estuda Letras na USP. Já aos 10 anos, constatou que seus maiores interesses na vida consistiam em sua família, em cerejas e em Machado de Assis. Em uma etapa posterior, adicionou à sua lista ópera italiana e artistas coreanos.