Como é marchar contra o golpe em uma cidade conservadora. Por Marcos Sacramento

Atualizado em 2 de abril de 2016 às 8:49

vitoria

 

Marchar contra o golpe tem um simbolismo a mais em uma cidade conservadora como Vitória.

A demanda por democracia dos estudantes, artistas, mães, pais, aposentados, professores e ativistas que marcharam cinco quilômetros entre a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e a Assembleia Legislativa ultrapassa as demandas pontuais contra o golpe para se tornar um ato de resistência frente a uma sociedade reacionária, onde Aécio Neves foi o mais votado nas últimas eleições presidenciais.

O resultado do último pleito é um pequeno retrato em um bestiário de provincianismo: por aqui, quatro famílias controlam os principais meios de comunicação, entre os anos de 1998 e 2002 a Assembleia Legislativa foi presidida por um bicheiro, o deputado estadual mais votado nas últimas eleições divide o parlamento com histrionismos no Balanço Geral e está de olho na prefeitura de Vitória.

Até a pessoa mais famosa nascida em terras espírito-santenses, o cantor Roberto Carlos, segue a cartilha política da direita e teve relações bem amistosas com os militares na época da ditadura.

Se nos anos 70 o Estado ficou famoso por abrigar células do Esquadrão da Morte, hoje é o quarto no número de assassinatos de mulheres.

A capital do Estado que elegeria Aécio para presidente levou 300 pessoas ao aeroporto para recepcionar o fascista Bolsonaro, que desembarcou em terras capixabas no mesmo dia da manifestação contra o golpe.

O clima reacionário desta cidade erguida a partir do café e do minério de ferro explica porque um casal de mulheres, que andava de mãos dadas com sombrinhas com as cores do arco-íris na passeata contra o golpe, se recusou a posar para uma foto.

Ou porque uma mulher carregando um cartaz onde se lia “Mulheres na Rua, #nãovaitergolpe”, posou para a foto usando a mensagem para cobrir o rosto, como se aquela exposição fosse provocar sérios problemas em sua vida.

A passeata transcorreu em paz, sem atritos sérios com a turma que pede o impeachment. Houve uma vaia ali, uma panela batendo acolá, dois ovos arremessados de um prédio, mas no geral o clima foi pacífico.

Isso não significa, em hipótese alguma, que Vitória seja uma capital aberta à divergência entre ideias. Mesmo em uma manifestação composta por pessoas liberais e com os mais diversos perfis, havia no ar o questionamento interiorano “do que dirão os vizinhos”.

Um ex-professor da Universidade, com quem conversei na passeata, mostrou-se empolgado com as mobilizações progressistas frente à crise política. Para ele, ao fim do processo a democracia vai sair fortalecida.

Acredito que pode servir, também, para ajudar a destruir o provincianismo da minha cidade natal.