Como é ser mãe na Escandinávia

Atualizado em 29 de maio de 2015 às 4:44
“É fantástico poder ter a possibilidade de ficar em casa com os filhos durante 1 ano e meio e ainda ser remunerado por isso"
Maria:“É fantástico poder ter a possibilidade de ficar em casa com os filhos durante 1 ano e meio e ainda ser remunerado por isso”

Por Claudia Nascimento Ekström, de Estocolmo

Primeiro de maio, Suécia, manhã de sexta feira. Finalmente consigo uma horinha na agenda atribulada de Maria Eberhardsson, 37. Quando a porta da casa se abre, lá estão eles: William, 7, Ester, 6, e Charlie, 1 ano e 6 meses. O pai, Jonas Eberhardsson, 36, já está a postos para levar William a uma festa de aniversário e tomar conta do pequeno Charlie.

Nos sentamos na cozinha, Maria me oferece um café, enquanto Charlie escapa dos braços do pai e balbucia palavrinhas para a mãe, como se quisesse participar da nossa conversa.

Maria Eberhardsson é uma sueca típica. Mora numa casa confortável, tem um bom emprego e um casamento em que os afazeres domésticos e o cuidado com as crianças são divididos entre o casal. Afinal, por lá, babás e empregadas domésticas praticamente não fazem parte do cenário. Ela trabalha como chefe de marketing da gigante de móveis IKEA, na cidade de Västerås, localizada 100 km a oeste da capital Estocolmo.

Quando pergunto a Maria quais foram as diferenças entre ser mãe pela primeira, segunda e terceira vez, com seus olhos azuis por trás das lentes, ela me sorri francamente e responde: “Senti mais diferenças na transição entre o primeiro e o segundo filho. Com o primeiro a gente se sente mais livre e não tem muitos horários pra respeitar. Mas com o segundo, tive um pequeno choque! No terceiro relaxei e percebo que sou uma mãe mais calma dessa vez,” conta ela, que acaba de retomar sua vida profissional.

Aliás, é com calma e possibilidade de curtir o desenvolvimento dos filhos que a licença materno-paternidade na Suécia é desfrutada. São 480 dias remunerados pela Agência de Seguro Social. E os pais, juntos, podem decidir como irão programar a licença. Desses 480 dias, 60 são reservados obrigatoriamente a um dos pais. O mesmo vale no caso de adoção.

Na Suécia, o empregado que tiver trabalhado por um período de 240 dias antes da licença recebe por volta de 80% do salário durante o período em que estiver em casa com o bebê. Além disso, os funcionários costumam receber do empregador uma complementação de 10%, além da quantia paga pela Agência de Seguro Social, durante um determinado período.

“Eu recebi 10% a mais por três meses e vejo nesse complemento salarial um incentivo que mostra que a licença, apesar de longa, não deve ser enxergada como algo negativo pelo empregador”, relata Maria.

A licença materno-paternidade abrange ainda desempregados, que recebem um valor baseado no salário do último emprego. E também os que nunca estiveram presentes no mercado de trabalho. No último caso, o valor recebido é de 225 coroas suecas, equivalentes a 82,00 reais por dia, durante 480 dias. Em todos os casos, a licença não precisa ser utilizada de uma só vez, pois ela vale até a criança completar oito anos de idade.

Jonas com os filhos do casal: divisão na criação dos filhos
Jonas com os filhos do casal: divisão na criação dos filhos

Os benefícios nessa área não param por aí. Todo mês os pais recebem uma ajuda de custo no valor de 1050 coroas, aproximadamente 386 reais, até a criança completar 18 anos. Os 45% pagos em impostos, um dos mais altos do mundo, retornam, de fato e sem estranhamento, em benefícios à população.

Carreira, filhos e igualdade de gêneros

Logo após o nascimento do bebê, o pai tem direito a ficar em casa durante 10 dias, com remuneração, para curtir o novo membro da família. Na Suécia, geralmente os primeiros seis meses são utilizados pelas mães. Mas poderiam ser também transferidos ao pai se a família fizesse essa opção; ou divididos igualmente entre eles.

Desde junho de 2008, é oferecido o jämställdhetsbonus, uma espécie de bônus de igualdade, pago além do valor da licença, aos pais que optarem por dividi-la igualmente . Essa é claramente uma das políticas de incentivo do governo sueco quando o assunto é tornar mais justa a igualdade entre homens e mulheres.

“Com o William, nosso primeiro filho, fiquei em casa 9 meses e o meu marido, 6 meses. Com o segundo filho senti que queria ficar mais tempo em casa e o Jonas queria trabalhar, então chegamos num acordo. O mesmo aconteceu da terceira vez”, conta Maria.

O homem sueco moderno parece não ter qualquer dificuldade em passar dias ou meses cuidando dos filhos, enquanto a mulher trabalha fora, faz carreira e se realiza profissionalmente. Homens empurrando carrinhos de bebês são cenas costumeiras por aqui. Apelidados de lattepappor, alguns deles, quando estão em licença, aproveitam para reunir os amigos, tomar um latte macchiato num café charmoso, enquanto combinam atividades com as crianças e trocam experiências da vida paterna. Homens jovens, crescidos nos anos 70 e 80 e inegavelmente dispostos a participar ativamente da infância dos filhos.

Combinar carreira e maternidade ainda é desafio diário para muitas de nós. Mas dependendo do país ser mãe por uma, duas ou três vezes e continuar a vida profissional pode, sim, ser tratado com naturalidade. O tempo que Maria passou em casa com as três crianças não tirou dela a possibilidade de continuar atrativa para o mercado de trabalho sueco. Mas apesar das inúmeras discussões e algumas políticas públicas para firmar a posição da mulher no mercado de trabalho, ela constata que o tempo em casa diminuiu de maneira marcante o seu salário. Sobretudo se comparado ao que Jonas Eberhardsson, seu marido, ganha atualmente trabalhando como chefe de planejamento e logística da sueca ABB.

“Nós temos exatamente a mesma formação mas trabalhamos em coisas totalmente diferentes. E apesar de ele também ter ficado em casa com as crianças, ele teve a possibilidade de se dedicar mais à carreira e, por esse motivo, ganha mais. Não sei se seria diferente, caso eu tivesse optado por trabalhar mais enquanto ele estava em casa por mais tempo. Mas eu não me incomodo com isso, pois a minha vida deu certo também. Fazer carreira, para mim, é continuar tendo possibilidades estimulantes no meu trabalho atual”, diz Maria.

Dividir igualmente ou não a licença materno-paternidade é uma daquelas discussões que se atualizam a cada eleição sueca. Segundo pesquisa realizada em 2013 pelo TCO, Centro de Organização de 14 sindicatos, o número de pais que utilizam a licença cresceu ininterruptamente nos últimos 15 anos. Embora o aumento ainda seja tímido, para Eva Nordmark, porta-voz do TCO, a falta de igualdade na utilização da licença entre homens e mulheres é uma das questões que emperram o avanço feminino na luta por melhores salários e posições no mercado de trabalho. Ela cita ainda consequências negativas para o desenvolvimento da relação entre pai e filho.

Dentre os partidos que querem transformar a possibilidade de igualdade da licença entre os sexos em lei estão o Partido da Esquerda, o Partido Verde e o Partido Feminista.

“Nós já conversamos sobre isso aqui em casa. Sob o ponto de vista social e de igualdade de direitos entre os sexos, é bom. Talvez essa divisão seja um bom começo ou continuação para atingir um mercado de trabalho mais igualitário. Ao mesmo tempo, eu amamentei os meus filhos até os 9 meses e não gostaria de ter interrompido esse processo e ser obrigada, por lei, a voltar ao trabalho. Essa é uma questão de cunho pessoal e não político”, diz Maria.

Os ventos feministas sempre sopraram com constância na sociedade sueca. Desde 2005, ano de criação do Partido Feminista, políticas feministas ganharam ainda maior destaque na agenda da Suécia e mais visibilidade social.

Maria salienta que na unidade da IKEA aonde trabalha metade dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. “Mesmo sem a estatística exata em mãos, arriscaria dizer que até mais da metade da chefia é composta por mulheres. Vemos isso com naturalidade, e não como algo inédito. E quanto à maternidade, o que a empresa visa é que os empregados vivam suas vidas, não importando se vão ou não ter filhos e utilizar a longa licença.”

“Trabalho não é o centro da nossa vida”

Entre um gole de café e outro, conversamos sobre a política brasileira, e comento que no Brasil a licença maternidade é de quatro meses. De volta, recebo questionamentos que gerariam uma nova reportagem e divagações sobre como seria a vida da família Eberhardsson fora da Suécia.

Quando jovem, Maria morou no Japão, e lembra que se tivesse feito sua vida por lá, não teria desfrutado dos pródigos e justos benefícios das políticas sociais suecas.

“É fantástico poder ter a possibilidade de ficar em casa com os filhos durante 1 ano e meio e ainda ser remunerado por isso. Quando nós suecos reclamamos do valor recebido da Agência de Seguridade Social, já que é menor do que o salário, deveríamos pensar que isso é um benefício maravilhoso. Precisamos valorizar mais!”, comenta ela.

A hora passa, e Jonas Eberhardsson reaparece na cozinha com Charlie no colo. Ele esquenta o almoço do pequeno. Maria sugere que mudemos para a sala e eu percebo que design e decoração de ambiente talvez seja um de seus hobbies. Ela me conta que quando criança desenhava muito. Especialmente móveis e tentativas de plantas residenciais. Maria vislumbrava um futuro na arquitetura. Pensando bem, entre móveis, utensílios domésticos e tudo que se possa imaginar para uma casa, parece que a IKEA é mesmo o ambiente de trabalho perfeito para ela.

“Damos muito valor a estar com a família. Jonas e eu temos bons empregos, mas não queremos que o trabalho seja o foco principal de nossas vidas. Que defina a nossa alma, apesar do amor pelo que fazemos. Claro que existem períodos em que trabalhamos de maneira mais intensiva, mas tentamos jantar todos os dias juntos e priorizar as atividades com as crianças. É assim que queremos viver”, finaliza Maria Eberhardsson.