“Como eu anunciei ao mundo a morte de Deng Xiaoping”

Atualizado em 29 de outubro de 2012 às 10:48

Um jornalista e acadêmico chinês rememora um momento histórico da mídia na era pré-internet

Este homem transformou a China na superpotência que é

O texto abaixo foi publicado originalmente na versão em inglês do jornal chinês Global Times. Nele, é narrado o anúncio da morte de Deng Xiaoping, o líder chinês que acelerou espetacularmente o processo de modernização da China.  O autor do artigo é o jornalista chinês Li Xiguang, professor de Comunicações Internacionais da prestigiosa Universidade Tsinghua, de Pequim. A tradução é de Camila Nogueira.

Eram quase dez da noite, no dia 19 de fevereiro de 1997, quando o telefone tocou em minha casa.

“Você estava muito ocupado na redação essa noite?”, uma jovem me perguntou do outro lado da linha.

“Quem está falando?”, eu perguntei.

“Sou Kathy Chen, do Wall Street Jornal”, ela respondeu.

“Não, eu não estava particularmente ocupado essa noite”, eu respondi.

“Eu quis me dizer, você estava ocupado com alguma grande história essa noite?”

“Não me apareceu nenhuma grande notícia essa noite”, eu disse. “Na verdade, eu voltei para casa mais cedo do que o normal.”

Após desligar, meu sexto sentido me disse que algo havia acontecido.

Nessa época, eu era o diretor da editoria de política na Agência de Notícias Xinhua. Era a primeira vez que um correspondente ocidental me ligava em casa, em meus dez anos de trabalho na agência.

Eu peguei o telefone de novo e liguei para o editor do turno da noite na redação de Xinhua.

“Está ocupado agora?”, eu perguntei.

“Sem nada eletrizante essa noite”, ele diz. “Estamos prontos para voltar para casa.”

Eu voltei para a cama. Mas o telefone voltou a tocar quando eu adormeci.

Liguei a luz. Era mais ou menos uma da manhã.

“Li Xiguang, desça imediatamente”, um homem disse em uma voz profunda. “O carro está esperando por você.”

“Quem é você?”, eu gritei.

Na verdade, eu me assustei com a ligação noturna. Suspeitava que a polícia secreta havia vindo me buscar porque eu conversara com uma repórter ocidental havia algumas horas.

“Sou um motorista do Xinhua”, o homem disse. (Nota da tradutora: Xinhua é o nome de um dos principais jornais chineses.)

Um mercedes preto me levou de casa, no subúrbio de Pequim, até a sede do Xinhua, no centro da cidade.

Quando o carro passou pelo principal hospital de Pequim, vi que o prédio estava totalmente iluminado.

Carros com as placas brancas de uso militar que iniciam com A01 iam e voltavam em um curso contínuo.

“Ele realmente morreu?”,  eu me perguntei. Uma semana antes, em uma reunião, me disseram para não deixar Pequim em caso de termos que preparar um obituário para Deng Xiaoping.

Quando entrei na redação, o diretor Wang Zongyin levou meus colegas e a mim próprio até seu escritório no 14° andar e trancou a porta. Ele nos passou um longo documento marcado como “Segredo” e pediu que o traduzíssemos para o inglês.

“Devemos despachá-lo assim que possível”, ele nos disse.

A mídia internacional esperava há semanas por noticias. Mas ela não iria publicar nada  até que o Xinhua se pronunciasse.

No dia 20 de fevereiro de 1997, as 2h07 da manhã, nosso breve boletim foi enviado: “O líder veterano chinês Deng Xiaoping morreu de enfermidade aos 92 anos, às 21h08 em Pequim. 19 de fevereiro, 1997.”

Um segundo depois de termos relatado a morte, a AFP foi a primeira agência internacional de notícias a pegar a história.

Antes de o sol se por em Pequim e antes de a maior parte dos chineses acordar, as pessoas ao redor do mundo ficaram sabendo da notícia através do rádio e da televisão, que interromperam seus programas regulares com nosso boletim.

Na era do Weibo (o Twitter chinês), é difícil manter a confidencialidade em temas tão sensíveis quanto este.

Hoje a China tem mais de 2.000 jornais, 9.000 revistas, 400 milhões de usuários de internet, 300 milhões de usuários de Weibo e 700 milhões de usuários  de celulares, todos competindo pela atenção dos leitores. Isso é um grande desafio para os padrões jornalísticos de verificação dos fatos.

Minha experiência pessoal de ter relatado a morte de Deng Xiaoping deveria nos lembrar da importância de checar os fatos, especialmente em um momento em que estamos testemunhando uma explosão do jornalismo na China e em que o poder da mídia é muito maior do que há alguns anos.

A morte da News of the World no Reino Unido, aniquilada por ter se intrometido ilegalmente na privacidade de famílias de luto, ilustra bem o fato de que, apesar da explosão de informações, a ética jornalística ainda conta.