Como Fiat e Globo criaram uma sessão de tortura no BBB. Por Nathalí

Atualizado em 23 de abril de 2022 às 14:15
Foto: Reprodução

O dia chegou: o dia em que vou problematizar as provas de resistência do BBB.

Não apenas para questionar por que ainda é naturalizado humilhar pessoas para ganhar dinheiro – qualquer semelhança com “Round 6” não é coincidência -, mas para tentar compreender porque tantos de nós ficam extasiados ao vermos pessoas sendo torturadas em rede nacional.

Foi a mesma coisa com “Bacurau”: ao verem as cabeças dos vilões expostas, o cinema entrou em polvorosa. As pessoas estavam em êxtase absoluto, não duvido nada que alguém tenha gozado na cadeira.

Assistir a outras pessoas serem obrigadas a passar sede, fome, frio e cansaço, e ainda classificar isso como “entretenimento” é um indício claro de que algo conosco não vai bem.

Na última prova – as da reta final são sempre mais difíceis – os jogadores foram amarrados com os braços para cima em volta de um carro da Fiat, e ali permaneceram por incríveis 19 horas, enquanto recebiam rajadas de vento, água e fumaça. Isso é tortura.

O carro no meio deles me interessa muito como elemento narrativo: semioticamente falando, o carro representava a vitória, e convencia-os de que qualquer privação seria suportável.

Não é a primeira vez que Boninho dá uma de Luciano Huck e coloca os participantes em situações desumanas. As provas de resistência já alcançaram 29 horas, incluindo prender os participantes em gaiolas ou espreme-los dentro de um carro do patrocinador.

Ainda assim, muitos de nós continuam com os olhos vidrados na tela. Muitos sequer compreendem a gravidade dessas provas, mas elas certamente serão vistas no futuro como uma espetacularização do sofrimento – você pode escrever.

Mas, se isso existe, é porque existe audiência pra isso. Porque a verdade é que, para além de humanos, somos bicho. Parece haver em nós – a humanidade – um ímpeto fortíssimo para a violência. Mesmo que nossa moral diga o contrário, há algo em nós, desde os tempos dos gladiadores, que goza com a dor alheia.

A Globo e a Fiat sabe disso. Talvez por isso – tudo pela audiência – tenham o hábito de criar provas cada vez mais humilhantes e dolorosas, e dessa vez com o objeto de desejo de cada um bem diante dos seus olhos.

“Ah, mas é só um jogo”, alguém dirá. Sim, é só um jogo. Resta saber até quando continuaremos a nos divertir com versões espetacularizadas do nosso próprio sofrimento.

Confira a prova do BBB:

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Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.