Como ganhar US$ 33 milhões por ano fazendo piadas

Atualizado em 7 de março de 2013 às 7:30

O segredo de Seth McFarlane para conseguir ser engraçado ofendendo grupos religiosos, gays, grávidas, animais…

. Um quarteto de barbeiros canta e dança em torno do leito de um homem com AIDS em estágio terminal. A letra fala do diagnóstico do paciente e termina com o verso: “Lamento que não seja algo menos sério”.

. Um sujeito cai na arena de uma tourada na Espanha. O touro bonitão o estupra.

. Um bebê e seu cachorro tentam legalizar a maconha numa cidade. O prefeito aprova a lei e todos passam a fumar a erva, resultando na diminuição dos crimes.

. Jesus revela que seu pai parou de fumar cigarro e está insuportável. O cachorro pede provas de que ele é Jesus Cristo. Jesus, então, transforma a sobremesa de todos os presentes em sundaes.

Seth McFarlane, o autor das cenas acima, é o comediante mais bem sucedido dos Estados Unidos. Foi o apresentador do Oscar 2013 e é o escritor-produtor de TV mais bem pago da história, com um contrato que lhe garante 33 milhões de dólares ao ano. McFarlane, 39, é também um dos sujeitos mais odiados do planeta, alvo de moções, boicotes, protestos e abaixo-assinados de associações de defesa de crianças, aidéticos, deficientes — e um ou outro crítico profissional. Ken Tucker, da revista Entertainment Weekly, não vê graça nenhuma e já o considerou o pior humorista da TV.

McFarlane é engraçado? Sim. É ofensivo? Também. Mas é inteligente, rápido e cruel. Não é para espíritos suscetíveis. Ele se define como alguém que ofende todos, com as mesmas condições de oportunidade. “Quando você está numa sala e seu trabalho é escrever piadas dez horas por dia, sua mente começa a vagar por lugares estranhos”, disse. Estreou no cinema com Ted, filme sobre um ursinho de pelúcia e seu dono que se recusa a crescer. Ted bebe, transa com a caixa do supermercado e é adepto do bong, aquele artefato esquisito que os americanos maconheiros adoram para consumir cannabis.

“Talvez uma parte de mim parou no colégio e nós damos risada porque não deveríamos”

Mas não foi Ted que o colocou no mapa, e sim a série de animação Family Guy, uma versão hardcore dos Simpsons que está no ar desde 1999 e já faturou alguns prêmios Emmy. No Brasil, passa no canal FX como Uma Família da Pesada. McFarlane faz as vozes do patriarca Peter Griffin, de seu bebê, o psicótico Stewie, do cachorro filósofo Brian e do “sedutor” Glenn Quagmire. Com o sucesso de Family Guy, criou American Dad, sobre um agente pateta da CIA e suas trapalhadas com a mulher, Francine, um ET, um peixe e os dois filhos. McFarlane é criticado igualmente pela esquerda e pela direita, sinal de algo faz de certo. É ligado ao partido Democrata, doador da campanha de Obama, a favor da legalização das drogas, dos direitos dos gays e colecionador de Frank Sinatra. Apoiou a greve dos roteiristas em 2007/2008, participando de manifestações. É fã de ficção científica e leitor de Carl Sagan.

Ele atribui seu humor étnico ao fato de ter muitos escritores judeus em seu staff. “Talvez uma parte de mim parou no colégio e nós damos risada porque não deveríamos. Não sei a psicologia disso. Algumas pessoas falam que estereótipos existem por uma razão. Não sou qualificado para afirmar isso. Mas meu time de roteiristas é em boa parte judeu, e eles são os caras que fazem a maioria das piadas”.

McFarlane é um liberal que distribui suas pauladas de maneira democrática. Ateu, mas não um intelectual como Christopher Hitchens ou Woody Allen. É um provocador, com momentos brilhantes. Num episódio, Peter Griffin diz: “Fique longe da igreja. Na batalha entre ciência e religião, a ciência oferece evidências críveis para todas as reivindicações sérias que faz. A igreja diz: ‘Ah, está tudo aqui neste livro, viu? Ele foi escrito por pessoas que pensavam que o sol era mágico’. Eu, pelo menos, gostaria de ver alguma prova de que há um Deus. E se você disser ‘no sorriso de um bebê’, eu vou chutar seu estômago”.

É difícil imaginar um humorista brasileiro escrevendo algo remotamente parecido com isso.