Filosofia na vida prática: Como lidar com o medo do futuro segundo os filósofos da Antiguidade. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 21 de agosto de 2015 às 13:03

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O sábio é um imprevidente. Vive apenas o dia de hoje. Não pensa no futuro. Não planeja nada. Não se atormenta com o que pode acontecer amanhã. Eis um conceito comum a quase todas as escolas filosóficas: o descaso pelo dia seguinte. Mesmo em situações extremas. Conta-se que um filósofo da Antiguidade, ao ver o pânico das pessoas com as quais estava num navio que chacoalhava sob uma tempestade, apontou para um porco impassível. E disse: “Não é possível que aquele animal seja mais sábio do que todos nós”. Era possível, sim.

O futuro é fonte de inquietação permanente para a humanidade. Daí a recomendação reiterada dos filósofos para que o tiremos da cabeça para nos concentrar apenas no presente. Tememos perder o emprego. Tememos não ter dinheiro para pagar as contas. Tememos ficar doentes. Tememos morrer. Tememos ser traídos numa relação amorosa. Tememos perder os cabelos e ganhar rugas. Tememos, para resumir, o colapso dos nossos planos. É mais inteligente, portanto, dada a deletéria carga de aflições associada aos planos, simplesmente não tê-los. O medo do dia de amanhã impede que se viva o dia de hoje. “A imprevidência é uma das maiores marcas da sabedoria”, escreveu Epicuro.

Neste ponto a filosofia ocidental encontra eco em outras tradições. A essência do zen budismo é viver o que se consagrou como o “aqui, agora”. No zen, martela-se o conceito de que o passado, como ficou para trás, já não existe. E o futuro, como ainda está por chegar, também não. Vivamos o presente, então. No cristianismo essa ideia é também potente. Uma das passagens mais líricas e belas do Novo Testamento afirma que a cada dia bastam seus problemas. É nessa passagem célebre que Jesus, aos que se inquietavam com o futuro, cita os lírios do campo, tão calmos em sua beleza deslumbrante. E afirma que nem Salomão, “em toda a sua magnificência”, se vestiu como qualquer um deles.

Somos tanto mais serenos quanto menos pensamos no futuro. Como tantas outras coisas, é mais fácil escrever esta frase do que praticá-la. Mas um bom ponto de partida para todos nós é refletir sobre ela. Vivemos sob o império dos planos, quer na vida pessoal, quer na vida profissional, e isso traz muito mais desassossego que realizações. O mundo neurótico em que arrastamos nossas pernas trêmulas de receios múltiplos deriva, em grande parte, do foco obsessivo no futuro. E não estamos falando num futuro paradisíaco, mas num amanhã cheio de trevas e riscos e perdas. Há um sofrimento por antecipação cuja única função é tornar a vida mais áspera do que já é.

Epicuro, como já foi dito, saldou a imprevidência como um gesto essencial de sabedoria. Volto a ele. Epicuro, numa sentença que o tempo fez antológica, disse que nunca é tarde demais e nem cedo demais para filosofar. Para refletir sobre a arte de viver bem, ele queria dizer. Para buscar a tranquilidade da alma, sem a qual mesmo tendo tudo nada temos a não ser medo, medo e medo. Também nunca é tarde demais e nem cedo demais para lutar contra a presença descomunal e apavorante do futuro em nossa vida. O homem sábio cuida do dia de hoje. E basta.