Como Nelson Ned conseguiu cantar daquele jeito

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:28

 

Nelson Ned nos anos gloriosos
Nelson Ned nos anos de glória

 

Houve um homem pequeno que tinha voz de homem grande: Nelson Ned, mineiro de Ubá, morto no dia 5 de janeiro aos 66 anos, que não chamou atenção por ser um anão com vozeirão, mas apesar disso. Driblou as dificuldades que o nanismo poderia ter trazido tanto física quanto socialmente e se tornou um dos maiores vendedores de discos da historia do Brasil.

Isso pode não significar nada hoje, mas já significou muito. Era essa a melhor e mais precisa medição de sucesso no Brasil, já que nossas “paradas” nunca foram muito confiáveis. Segundo a Wikipédia, Nelson vendeu 45 milhões de cópias ao todo, entre CDs e vinis. Perde apenas para Tonico & Tinoco, Roberto Carlos, Nelson Gonçalves e Rita Lee.

Para se ter uma ideia, você pode juntar Ivete Sangalo, Wando, Skank e Roberta Miranda que não dá o número de Nelson Ned.

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Nelson não foi apenas um grande cantor. Foi também um bom compositor, melodioso e de poesia delicada. “Ah, se as flores pudessem falar pra você que eu te amo, se essas rosas pudessem pedir para você me amar; ah, se as flores levassem recados a todos os namorados quanta gente no mundo teria mais sorte no amor”.

Mas, sim, ele era sobretudo um grande cantor. De onde vinha essa voz é uma pergunta recorrente, mas não tão difícil de responder.

Primeiro que sua caixa torácica não era tão pequena quanto poderia parecer. As pessoas que têm nanismo, em geral, não são proporcionalmente menores – elas têm partes menores. Enquanto Nelson media pouco mais de 1 metro (1,12 m), isto é, muito menor do que uma pessoa “normal”, sua caixa torácica era pouco menor do que de uma pessoa “normal”, e da mesma largura (parece ser até um pouco mais larga que a do nosso modelo).

O DCM não encontrou fotografias laterais de Nelson para medir, mas veja nesta comparação a altura e largura do tórax, usando o tamanho da cabeça como referencia.

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Logo, é possível que a capacidade pulmonar de Nelson fosse exatamente igual à de qualquer pessoa. E, além disso, a caixa craniana era de tamanho absolutamente normal – e parte da ressonância do canto acontece ali. Mas isso sozinho não resolveria a questão, posto que se o músculo vocal fosse pequeno, isso faria a voz de Nelson ser aguda. E o mais interessante é que ela era mais aguda. Veja a entrevista abaixo, ele já mais velho e provavelmente não mais empostando na entrevista, e note que ela é muito mais “fininha” do que o vozeirão que nós costumamos ouvir em suas canções.

A explicação mais provável aí é que ele tivesse cordas vocais bastante elásticas, que permitiam que, empostando ou empurrando a voz para o grave, ela continuasse vibrando normalmente.

Para que seja entendido melhor: quanto mais grave alguém canta, com maior amplitude a corda vocal vibra. Logo, você precisa relaxar mais as cordas para cantar mais grave. Cada pessoa tem um limite para esse relaxamento, e o de Nelson, claramente permitia que ele fosse muito mais grave em relação à sua voz natural do que a vasta maioria das pessoas.

Mas tudo isso não explica exatamente a estatura do baixinho na cultura popular, que transcendeu o Brasil, inclusive. É muito mais uma questão de empatia do que técnica. Nelson tinha a medida certa entre a complexidade e a simplicidade nas letras. Ele falava de sentimentos que qualquer pessoa compartilhava, sem grandes excessos de lirismos, mas também sem ser simplório. Nelson, como um bom jogador de basquete, soube não jogar a bola muito forte nem muito fraca – e acertar a cesta.

Este pequeno cantor atingiu um público inimaginável e conseguiu, enquanto pôde, ultrapassar as barreiras de seu problema físico. Mas tudo passa. E tudo passará.