Como o Audax se tornou o time mais admirável do Brasil. Por Thiago Sievers

Atualizado em 24 de março de 2016 às 11:58

 

Audax, em latim, significa audacioso. E há um time com esse nome em São Paulo que honra perfeitamente a essência do conceito.

Me lembro de assistir em 2014 uma partida do Audax pelo Campeonato Paulista e pensar: “Espera aí, o que esses caras acham que estão fazendo?”. O estilo de jogo do time do técnico Fernando Diniz era claramente diferenciado, adotando o idolatrado passe de bola e ignorando por completo o chutão.

Acontece que os comandados de Diniz viajavam um pouco nessa filosofia cultuada pelos boleiros. Por diversas vezes numa mesma partida os jogadores tocavam bola perigosamente próximos a sua área, sem objetividade alguma, acionando o goleiro em situações claras de “fogueira” e ele não chutava a bola. Chegava a soar ingenuidade até.

Era um exagero.

Eu pensava isso. Os torcedores pensavam isso. Os jornalistas esportivos pensavam isso. Mas Fernando Diniz (que, de certa forma, também pensava isso) não se abalou e manteve seu estilo de jogo.

O Paulista de 2014 passou, o Audax, em sua primeira participação na 1ª divisão, ficou em 4º no seu grupo de 5 times (com um aproveitamento um pouco superior a 50%), e dividiu opiniões.

“Hum… jogo bonito, mas pouco eficiente, perigoso.”

Contudo, hoje, depois de dois anos, aí está o time de Osasco, que nasceu em 2004, mantendo o mesmo estilo tático, mas agora muito mais maduro.

No último final de semana assisti ao jogo do Audax contra o Palmeiras e, meu Deus, foi uma senhora lição de futebol do time de vermelho.

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Primeiro, como eu falei, eles não dão chutão. No entanto, aqui vale uma ressalva: hoje o time apela para esse recurso quando necessário. E eis está um ponto muito positivo. Antes a equipe se perdia na teimosia infantil de manter o toque de bola em situações claramente perigosas — e tomou muitos gols por conta disso (como no jogo contra o São Paulo em 2014, quando perdeu de 4 x 0).

Mas o próprio treinador afirmou em entrevistas que o chutão é uma ferramenta importante: “Contra o São Paulo era pra ter tirado a bola. A gente treina para não dar chutão, mas ele pode ser dado como última alternativa”.

Segundo, os jogadores não guardam posição. A equipe também é conhecida como “carrossel osasquense” por isso. Como sabemos baseados, principalmente, na Holanda de 70, esse estilo de jogo confunde a marcação adversária e tem funcionado bem no Audax. Veja o segundo gol contra o Palmeiras, por exemplo.

Terceiro, eles utilizam muito o goleiro. Se o toque de bola e a troca de posições não são lá novidades, o acionamento do guarda redes é. Você, rapidamente, pode ser levado a citar Manuel Neuer ou Rogério Ceni instintivamente alegando que eles já fazem isso. Mas não, é muito diferente!

O goleiro Felipe Alves joga como um verdadeiro libero, tipo goleiro de salão. Ele tem muita habilidade nos pés (olha esse chapéu que ele aplicou dentro da área aos 36 do segundo tempo contra o ituano) e não é acionado apenas em situações emergenciais. Quando com a bola, ele é um jogador a mais.

E isso pode ser muito bem aproveitado.

Com a bola nos pés de Felipe, os atacantes adversários vão sedentos para ganhar o lance, afinal, se isso acontecer é gol na certa. Ocorre que, dessa maneira, o Audax ganha um jogador a mais na linha. Se o atacante marca o goleiro, sobram apenas 9 jogadores de linha para fazer a marcação — e o Audax tem 10 atletas.

Ou seja, se os caras souberem tocar a bola para quem está desmarcado em uma transição rápida da defesa para o ataque, pronto, chega ao gol adversário (veja os gols do jogo contra a Portuguesa em 2014).

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Parece simples, mas, claro, não é. O Audax está aí há dois anos tentando implacar esse estilo de jogo e encontra muitas dificuldades.

Hoje o time é líder do Grupo C do Paulista a frente de São Paulo e Ferroviária (outra equipe que está chamando a atenção pelo bom nível técnico de futebol) com seu aproveitamento característico de cerca de 50%. Sabemos, é um aproveitamento baixo.

Mas o Audax tem oferecido algo ao futebol que vai além dos resultados: a filosofia. Mesmo com um time pouco capacitado tecnicamente, Fernando insiste em adotar essa mentalidade de um futebol bem jogado, mesmo que isso lhe custe pontos. E seus méritos estão mais nessa insistência do que nos resultados propriamente.

E a administração do clube, que tem Vampeta como presidente, também acompanha um modelo sábio de gestão. O técnico está no time desde 2014 e só consegue implantar sua visão por conta da confiança da diretoria (visão que, aliás, ele mostra desde o início de sua carreira em 2009 no Votoraty-SP).

Como muito se fala, é preciso dar tempo e confiança ao treinador para desenvolver um padrão de jogo. Para um técnico, perder jogando muito bem é melhor do que ganhar jogando muito mal. Para o torcedor não. E nem para o time na tabela de classificação. Mas se a administração corintiana olhasse apenas resultados, por exemplo, Tite teria deixado o cargo após a derota para o Tolima em 2011.

Mesmo sem grandes resultados, o Audax merece nossa admiração por implantar um futebol inteligente em qualquer circunstância: dentro ou fora de casa, contra equipes de expressão ou não. Um futebol com personalidade. É ideologia de time grande.

Quem sabe em breve eles não alcem um voo semelhante ao do Leicester?

Aguardemos os próximos capítulos da vida do time de Osasco. E quanto às equipes de tradição, fica a dica: sejam mais audaciosas.