
Nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio, ruas e vielas se tornaram fronteiras de um novo tipo de negócio do crime. Onde antes passavam trens e carros, agora há trilhos cravados verticalmente no asfalto e tambores de ferro cheios de concreto impedindo qualquer entrada. Essas barricadas, que deveriam servir apenas como proteção contra operações policiais, viraram instrumentos de controle econômico. Com informações do Estadão.
Segundo a Polícia Civil, o bloqueio de comunidades inteiras deixou de ser apenas estratégia de defesa e passou a sustentar uma engrenagem lucrativa, baseada na cobrança de taxas e no monopólio de serviços. O modelo, copiado das milícias, já movimenta milhões de reais por mês e consolidou o que investigadores chamam de “milicialização do tráfico”.
“Eles entenderam que o domínio territorial dá muito mais dinheiro do que a venda de drogas”, afirmou o delegado André Neves, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada, em entrevista ao Globo. “Os traficantes absorveram a lógica da milícia e perceberam que dá muito dinheiro cobrar taxas”.
Interceptações telefônicas e relatórios da Polícia Civil mostram que o Comando Vermelho (CV) transformou o controle de comunidades em um modelo de exploração contínua.
“Em uma rua, um ou dois vão usar cocaína. Mas quantos usam internet? Todos”, resumiu Neves. O domínio do território garante lucro imediato. “Se boto barricada no meu bairro, já começo a ganhar na hora. É lucro sem concorrência”, disse.

A cobrança atinge praticamente todos os serviços: internet, gás, luz, transporte, entregas e até o aluguel de imóveis. Um policial que atua no setor de inteligência afirma que “os valores parecem pequenos, mas, somados à quantidade de trabalhadores, geram milhões por mês”.
Em algumas favelas, como a Rocinha, estima-se que mais de 1,5 mil mototaxistas paguem semanalmente R$ 150 ao CV, um faturamento que supera R$ 1 milhão.
Um botijão de gás custa até R$ 150, enquanto o preço médio no estado é de R$ 97,43. “O traficante viu que podia copiar a milícia. E nesse modelo, quanto mais área, mais receita”, disse o delegado aposentado Vinicius Jorge.
A Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) aponta que o CV expandiu suas operações rumo à Zona Oeste, antes controlada por milicianos, e passou a cobrar taxas de “condomínio” em prédios irregulares. “O CV recadastrou moradores e cobra de cada unidade”, relatou um policial.
O engenheiro Sancler Melo, ex-subprefeito do Recreio, confirma a mudança. “No início, havia mistura de milícia e tráfico. Depois, eles concluíram: ‘vamos ficar com tudo'”.
Empresas relatam ser impedidas de entrar em áreas dominadas sem pagar propina. “É a soberania do crime”, afirmou Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria. “Mesmo quem compra pela internet não recebe. O caminhão não entra”. Segundo a PF, o contrabando de cigarros movimentou R$ 5 bilhões entre 2015 e 2024.
Investigações revelam ainda um sistema interno de lavagem de dinheiro. Um mototaxista preso em 2021 admitiu fazer depósitos de até R$ 50 mil em contas de líderes do CV, como Edgard Alves de Andrade, o Doca, e Pedro Paulo Guedes, o Pedro Bala. Em dois anos, foram movimentados mais de R$ 33 milhões.
“É preciso combater também o dinheiro que circula dentro da favela, que mantém territórios lucrativos e fortalece o poder paralel”, alertou Neves. Em 2020, o CV chegou a movimentar milhões em imóveis e negócios clandestinos. “É um patrimônio informal, protegido por fuzis. Como o Estado vai reaver isso?”, questionou um policial ao Globo.