Como o Departamento de Justiça dos EUA preparou a Lava Jato e cooptou a Justiça brasileira. Por Luís Nassif

Atualizado em 31 de março de 2019 às 11:58
Moro, em 2008

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO GGN

O próximo evento da AJUFE (Associação dos Juízes Federais), financiado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, é uma continuação do Projeto Pontes, que transformou definitivamente a Justiça e o Ministério Público Federal em instrumentos de disputas geopolíticas.

Já havia elementos suficientes mostrando a preparação da Lava Jato pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O encontro da AJUFE despertou pesquisadores, que localizaram um telegrama, no Wikileaks, que descreve com previsão como começou a Lava Jato.

De 4 a 9 de outubro de 2009, foi montado seminário similar no Rio de Janeiro, com o título “Crimes financeiros”, bancado pelo DoJ, com a participação de juízes e procuradores de cada um dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, mais de 50 policiais federais e mais de 30 procuradores, juizes e policiais estaduais. Participaram também membros do México, Costa Rica, Panamá, Argentina, Uruguai e Paraguai.Foi um seminário de uma semana, sob o álibi genérico de combate ao terrorismo.

Foi o primeiro evento do Projeto Pontes, cuja missão era consolidar o treinamento das polícias para a aplicação da lei bilateral. Cuidou-se de concentrar em trabalhos práticos, evitando os temas teóricos – que, aliás, poderiam enveredar por aspectos legais da cooperação.

Segundo a nota do Wikileaks, em geral as autoridades brasileiras preferiam termos mais genéricos, como “crimes transnacionais”, evitando qualquer referência ao terrorismo. Naquele ano, a conduta mudou. No telegrama da Wikileaks, anota-se o fato de que, ao contrário das reuniões com o Ministério das Relações Exteriores e da Justiça, onde se evitava o termo terrorismo, o público da conferência estava claramente interessado no tema.

Terrorismo, aliás, a palavra-chave para a cooperação internacional e, especialmente, para a parceria entre juízes e procuradores brasileiros com as áreas de segurança do governo americano – leia-se DHS e CIA.

O treinamento foi amplo e prático, incluindo a preparação de testemunhas. Nas conclusões do seminário estava a necessidade de, no futuro, as investigações se basearem em forças tarefas, como maneira mais efetiva “de combater o terrorismo no Brasil”.

Segundo as avaliações do telegrama, o seminário demonstrou claramente que os juízes federais, promotores e outros profissionais da lei estavam menos preocupados com o campo minado político e “genuinamente interessados em aprender como melhor envolver o processo judicial na luta contra o terrorismo”.

Os dois conferencistas mencionados no telegrama foram o Ministro da Justiça Gilson Diap e o juiz paranaense Sérgio Moro. Dipp participou por desinformação; Moro por estar plenamente integrado ao Departamento de Justiça, por conta da parceria no caso Banestado. Nos debates, o tema principal versou sobre as sugestões dos brasileiros sobre como trabalhar melhor com os EUA.

Entre as diversas solicitações, pedia-se treinamento especial sobre a coleta de provas, interrogatórios e entrevistas, habilidades em tribunais e o modelo de força tarefa proativa, com a colaboração entre procuradores e as forças de segurança. Saía-se do campo estritamente penal, para o campo geopolítico.

Pediram conselhos, também, para mudar o código penal. Os americanos defenderam mudanças recentes no código, como a exigência do exame direto das testemunhas pela promotoria e pela defesa, não pelo juiz, e o uso de depoimentos ao vivo, em vez de declarações escritas. No entanto, dizia o telegrama, os brasileiros confessaram não saber como utilizar as novas ferramentas, mostrando-se ansiosos para aprender.

Os especialistas americanos notaram que o fato da lavagem de dinheiro já estar na alçada dos tribunais federais tornava mais eficaz o combate à corrupção de alto nível. “Consequentemente”, diz o telegrama, “há uma necessidade contínua de fornecer treinamento prático a juízes federais e estaduais brasileiros, promotores e agentes da lei com relação ao financiamento ilícito de condutas criminosas”.

Sugeriu-se a preparação de um projeto piloto. Os locais ideais, dizia o telegrama seriam São Paulo, Campo Grande e Curitiba. Apresentou-se o desenho do piloto: “Forças-tarefa podem ser formadas e uma investigação real usada como base para o treinamento, que evoluiria sequencialmente da investigação até a apresentação e a conclusão do caso no tribunal”, diz o telegrama, corroborando a palestra de Kenneth Blanco, do DoJ, no Atlantic Council. ”Isso daria aos brasileiros uma experiência real de trabalho em uma força-tarefa proativa de financiamento ilícito de longo prazo e permitiria o acesso a especialistas dos EUA para orientação e apoio contínuos”.

A conclusão final do encontro é que o Projeto Pontes deveria continuar a reunir as forças de segurança americanas e brasileiras em diferentes locais, “para construir nossos relacionamentos e trocar boas práticas”. E concluía que, “para os esforços de combate ao terrorismo, esperamos usar a abertura que esta conferência proporcionou para direcionar o treinamento de forças-tarefa de financiamento ilícito em um grande centro urbano”.

Nos anos seguintes, DHS, DoJ e CIA forneceram informalmente os elementos centrais que permitiram ao juiz Sérgio Moro, a partir de Curitiba, conduzir uma denúncia de corrupção ocorrida no Rio de Janeiro, tendo como personagens centrais pessoas de Brasília e São Paulo. Conferiu a juízes e procuradores o “abra-te Sésamo”, a informação provinda dos serviços de espionagem eletrônica americano, que lhes garantiu poder, glória e um protagonismo político inédito.

A consequência foi a destruição de parte relevante da economia brasileira, desmonte do sistema político e das instituições democráticas, permitindo à Lava Jato se tornar sócia do poder, através de seu aliado Jair Bolsonaro. E jamais apareceu um terrorista de verdade para justificar a parceria. O então Ministro da Justiça Alexandre Moraes precisou inventar terroristas de Internet.

É inacreditável que um evento tão ostensivo como este tenha passado despercebido do governo Lula, na época, cego pelo sucesso que marcou seu último ano de governo.