Como o engajamento social transformou a vida de uma secundarista que lutou por educação. Por Mauro Donato

Atualizado em 28 de fevereiro de 2019 às 10:40

POR MAURO DONATO 

O engajamento na luta por um ensino público de qualidade transformou a vida de uma jovem estudante para sempre.

Então aluna da Escola Estadual João Kopke, Marcela Jesus participou ativamente das ocupações em 2015 que paralisaram mais de 200 escolas em todo o estado de São Paulo e derrubaram não só as propostas de reforma como ejetaram do cargo o próprio secretário da Educação.

Marcela permaneceu na luta durante o ano seguinte quando, apesar da promessa do então governador Alckmin em acatar as solicitações dos secundaristas para encerrar as ocupações, a reforma do ensino médio continuou sendo colocada em prática na calada da noite.

Era esse o exemplo que um governador dava aos adolescentes que estudam em escolas públicas: não cumprir com a palavra.

Aderir a uma luta de caráter social, por uma educação de qualidade, colocou Marcela numa trilha inesperada e brilhante. As ocupações – e todo o ensinamento advindo – conduziram a jovem para as artes e geraram uma peça de teatro e um documentário. Com a peça, Marcela já percorreu algumas cidades do país e este ano estão na agenda apresentações na Inglaterra e em Portugal.

O documentário foi ainda mais longe. Literalmente. Venceu o Prêmio da Anistia Internacional e o Prêmio da Paz da Fundação Heinrich Böll no festival de cinema de Berlim. Marcela acaba de voltar da Alemanha.

A menina criada nas proximidades da cracolândia e que tomou borrachada da polícia por querer estudar, hoje ganhou o mundo e foi aplaudida de pé graças a seu engajamento social. Já aqueles senhores importantes e engravatados, poderosos, cheios de arrogância e autoritarismo reacionário, cujos nomes estiveram em evidência naqueles tempos, hoje ninguém mais ouve falar.

A estreia de “Espero tua revolta” nos cinemas do Brasil está prevista para setembro. A atriz falou ao DCM, leia os principais trechos.

“Sou a primeira da minha família a terminar o ensino médio. Fui criada no centro de São Paulo numa condição em que muitas vezes tínhamos que escolher entre comer ou morar, e como comer é mais importante, muitas vezes fomos despejados.”

“Tudo o que tenho hoje devo ao movimento secundarista porque nunca pensei em ser atriz, em ser do teatro, em estar envolvida com a arte como uma ferramenta de luta. Se não fosse a luta, provavelmente estaria agora trabalhando como atendente de telemarketing, engolindo sapo de patrão, sendo mais um boneco do sistema. Se estou hoje trabalhando com cultura é graças ao movimento das ocupações e tenho certeza que se aquilo tudo não acontecesse eu não veria a arte como uma possibilidade, um meio de mudança. Estou me envolvendo em projetos que não saberia que existem se não tivesse ocorrido toda essa mudança na minha vida. Pobre não tem fácil acesso à arte.”

“O Brasil não quer negros e pobres na universidade. A formação do ensino fundamental e médio é precária por isso mesmo. As pessoas não têm emprego e precisam fazer seu ‘corre’ vendendo coisas no trem, mas agora vão colocar a polícia militar dentro dos trens para reprimir isso! São ações propositais para manter os pobres longe de tudo.”

“A repressão funciona, pois muitos secundaristas acabaram abandonando a luta por medo. Para um adolescente que foi criado com a imagem de uma polícia boa e de repente se vê apanhando e perseguido por essa mesma polícia, é difícil. Isso desestimula também os mais novos a lutar.”

“Depois das ocupações muitos que participaram foram expulsos, ou transferidos à revelia, ou então sofriam uma pressão constante como foi meu caso. Se sumisse qualquer coisa na escola vinham até a sala onde eu estudava e lançavam suspeitas sobre mim na frente de todo mundo.”

“O estado tem o preparo de foder o psicológico dos adolescentes que entram na luta. A Marcela atriz é uma, mas ninguém conhece a Marcela na intimidade, quais problemas eu carrego por conta das agressões nas ocupações.”

“Foi um momento muito louco. Estava em Berlim, sendo recebida por pessoas abrindo a porta do carro para mim, vários fotógrafos me esperando, tratamento de estrela e ao mesmo tempo não tinha uma casa para morar aqui. Foi preciso organizar uma vaquinha para ficar uma semana lá. Mas eu tinha que ir, representar todos os secundaristas e mostrar tudo o que passamos. Era uma questão de denúncia e um recado do tipo: ‘Acreditem mais na juventude’. A luta me deu tudo isso de presente.”