Como o financiamento climático já transforma a produção rural no Brasil

Atualizado em 16 de novembro de 2025 às 19:20
Imagem de uma propriedade em Lavras do Sul (RS) que teve o apoio do projeto de Recuperação de Biomas. Foto: Divulgação

Em diferentes biomas do país, pequenos produtores rurais e povos tradicionais começam a acessar recursos de financiamento climático e a transformar práticas agrícolas para enfrentar os efeitos do aquecimento global. No Pampa gaúcho e na Mata Atlântica baiana, iniciativas distintas mostram como o dinheiro voltado à adaptação climática está chegando a quem vive no campo.

O pecuarista familiar Antônio Bonoto, de Alegrete (RS), resume a motivação: “A gente vê essas catástrofes que estão ocorrendo… muitas vezes é (por) não preservar a natureza”. A mais de 3 mil km dali, em Ilhéus (BA), o cacique Tupinambá Alicio Francisco compartilha a mesma preocupação.

“Não desmata a cabeceira de água, que é a nossa vida. A gente, sem água, como é que nós vamos viver?”, afirma. Ambos participam de projetos que utilizam crédito rural, incentivos ambientais ou doações para recuperar biomas e modernizar práticas produtivas, um exemplo direto de como o financiamento climático começa a operar na vida real.

O tema é central na COP30, que acontece em Belém, onde governos discutem como financiar a conservação de florestas tropicais. No Brasil, porém, especialistas apontam que investir na agropecuária sustentável é parte essencial da estratégia climática, já que o setor responde por 28% das emissões nacionais depois do desmatamento.

O desafio é fazer com que o “dinheiro do clima” chegue aos pequenos produtores, historicamente com mais dificuldade de acessar crédito ou programas de apoio.

No Rio Grande do Sul, o trabalho da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS), que desde 2018 ensina técnicas de regeneração do Pampa. Entre 2015 e 2024, o bioma perdeu 13 mil km² de vegetação nativa, área equivalente a quase nove vezes a cidade de São Paulo.

Os recursos desta iniciativa vêm da lei estadual de Reposição Florestal Obrigatória (RFO), que permite que empresas com dívida ambiental financiem projetos de recuperação. A CPFL, por exemplo, repassa verbas trimestrais para a Fetag-RS, mediante prestação de contas e vistorias.

O engenheiro agrônomo José Mário Araújo Mafaldo explica como esse acompanhamento é feito: “Se tu identificou 20, 30 espécies naturais do bioma Pampa na primeira visita, o projeto, no mínimo, vai ter que sair com 40 espécies”. Desde 2019, a iniciativa já recuperou 7.070 hectares de campo nativo.

Agrofloresta na aldeia Tupinambá do Acuípe de Cima. Foto: Divulgação

Além da recomposição vegetal, os técnicos orientam os pecuaristas a manejar o gado com rotação de pasto, recuperação do solo e preservação de plantas nativas que muitos consideravam “invasoras”. Para o pesquisador da Embrapa Marcos Borba, essas espécies são fundamentais para infiltração de água e ciclagem de nutrientes.

O produtor Anderson Soares Ribeiro confirma as mudanças que percebeu depois de aderir ao projeto: “Faz dois anos e meio que a gente está no projeto. Antes, a gente via o solo se degradando. Hoje a gente pode observar o campo com mais vigor”. Ele integra o grupo de pequenos pecuaristas que, mesmo em uma região dominada por pastagens naturais, precisam de apoio técnico para evitar o empobrecimento do solo e a perda de biodiversidade.

No outro extremo do país, a Aldeia Tupinambá do Acuípe de Cima acessou cerca de R$ 50 mil via Pronaf para cultivar cacau em sistema cabruca, técnica que preserva a Mata Atlântica ao produzir o fruto sob a sombra das árvores nativas.

A iniciativa permite recuperar áreas desmatadas para pastagens e ampliar a implantação de agroflorestas que combinam cacau, banana, mandioca, coqueiros e outras espécies. “A gente pensava que não tinha como indígenas pegarem um projeto bom desse”, diz o agricultor Alberto Lopes.

Para facilitar o acesso ao Pronaf, o Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus) criou o CredAmbiental, que forma moradores das próprias comunidades para atuar como “ativadores de crédito”. Eles ajudam a reunir documentos, negociar com bancos, elaborar os projetos e acompanhar o uso correto dos recursos.

“Os produtores pegavam o crédito e diziam que era algo que vinha do governo e não precisava pagar. Até hoje a gente atua muito em desconstruir essa informação”, afirma o ativador Josué Castro. “Não é para pegar o dinheiro e gastar com carro velho, como antes se fazia. Ele tem que ser investido naquela atividade”, explica.

A Conexsus informa que 98% dos produtores assessorados estão com os pagamentos em dia. Atualmente, 1.054 agricultores acessam o Pronaf por meio da metodologia da instituição, que também oferece cursos e acompanhamento técnico. Para Fabíola Zerbini, diretora executiva da Conexsus, “o crédito precisa ser um fator de empoderamento”.

O governo federal lançou em 2023 o programa Florestas Produtivas, com ações semelhantes, oferecendo capacitação e assistência personalizada em municípios do Pará, Maranhão, Amapá e Acre. “Quando eu financio uma agrofloresta, estou fazendo financiamento climático”, resume Moises Savian, secretário do MDA.