Como o Irã em 1979, Brasil pode ser denunciado por violar convenção e não proteger embaixada. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 13 de novembro de 2019 às 18:54
13/11/2019: Embaixada da Venezuela invadida. Crédito: Twitter de Paulo Teixeira
4/11/1978: Embaixada dos EUA invadida. CréditoAFP/GETTY IMAGES

Ao não proteger a Embaixada da Venezuela da invasão, o governo Bolsonaro se igualou ao do Irã em 1979, quando manifestantes iranianos ocuparam a representação diplomática dos EUA.

A ocupação durou 444 dias e teve desdobramento, com a condenação do Irã pela Corte Internacional de Justiça, como lembra a professora Larissa Ramina, da cadeira de Direito Internacional da Universidade Federal do Paraná.

“A Convenção de Viena sobre relações diplomáticas impõe ao governo que recebe territorialmente a embaixada estrangeira o dever de assegurar toda proteção necessária para que esses locais não sejam alvo de ataques”, afirmou.

Pouco depois da chegada dos invasores, um funcionário do Itamaraty foi para a Embaixada.

O nome dele é Maurício Correia, coordenador-geral de Privilégios e Imunidades, que trabalha diretamente com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Correia é o responsável por determinar, promover, executar e supervisionar a aplicação dos privilégios e imunidades reconhecidos às missões diplomáticas, delegações especiais, repartições consulares, organismos internacionais com sede no Brasil e representações de organismos internacionais e seus funcionários.

Segundo relato do deputado federal Paulo Pimenta (PT-SP), também presente na embaixada, Maurício Correia não estava ali para proteger os diplomatas estrangeiros, mas para assediá-los no sentido de que deixassem seus postos.

“O Itamaraty está tentando expulsar o corpo diplomático da Venezuela da Embaixada em Brasília”, afirmou Pimenta. 

“Isso é uma violação GRAVÍSSIMA da Convenção de Viena!”, acrescentou, em mensagem no Twitter postada de dentro da representação diplomática, para onde foi logo que soube da invasão, no final da madrugada.

Sete horas depois da invasão é que o governo brasileiro se posicionou, através do Gabinete de Segurança Institucional:

Diante dos fatos desagradáveis que estão acontecendo na Embaixada da Venezuela, em Brasília, esclarecemos o seguinte:

– como sempre, há indivíduos inescrupulosos e levianos que querem tirar proveito dos acontecimentos para gerar desordem e instabilidade;

– o Presidente da República jamais tomou conhecimento e, muito menos, incentivou a invasão da Embaixada da Venezuela, por partidários do Sr. Juan Guaidó;

– as forças de segurança, da União e do Distrito Federal, estão tomando providências para que a situação se resolva pacificamente e retorne à normalidade.

Primeiro: não são fatos desagradáveis que ocorriam na embaixada, mas criminosos e, diante da gravidade da situação, a nota foi branda demais, e ainda seria modificada para se tornar mais fraca, com a retirada da menção a Juan Guaidó.

A manifestação do governo também foi dúbia ao afirmar que “indivíduos inescrupulosos e levianos” queriam tirar “proveito dos acontecimentos para gerar desordem e instabilidade”.

Era uma referência aos brasileiros que foram à embaixada para defendê-la da invasão, depois que um diplomata venezuelano fez um apelo, logo de madrugada, por apoio de movimentos sociais e partidos políticos.

“Pessoas estranhas a nossas instalações estão entrando, estão violentando o território venezuelano. Necessitamos de ajuda”, apelou, em áudio divulgado por WhatsApp.

Já Eduardo Bolsonaro, quase ao mesmo tempo, considerou a ação criminosa correta.

“Se o Brasil reconhece Guaidó como presidente da Venezuela, por que a embaixadora Maria Teresa Belandria, indicada por ele, não estava fisicamente na embaixada? Ao que parece, agora está sendo feito o certo, o justo”.

Em que acreditar, na nota assinada pelo general Augusto Heleno, chefe do GSI, ou em Eduardo Bolsonaro, que o pai tentou transformar em embaixador nos EUA e é considerado o chanceler de fato?

A nota do GSI parece mais uma formalidade para enganar os chineses e russos que estão na cúpula do BRICS em Brasília e apoiam o regime de Nicolás Maduro.

A situação é tão confusa que os policiais brasileiros que estão nas imediações da embaixada não sabem como agir, já que não estão seguros da posição do governo brasileiro.

No caso da crise no Irã, em 1979, o governo iraniano foi responsabilizado,  e o episódio marcou o início de sanções contra o país.

Para a professora Larissa Ramina, o governo Maduro tem legitimidade para exigir a responsabilização do governo Bolsonaro por esta invasão.

“Houve violação da Convenção de Viena de 1961 porque os dois estados são partes dessa convenção, e o Brasil tem o dever de assegurar a inviolabilidade da representação diplomática”, disse Larissa.

Quem protegeu a missão diplomática foram brasileiros sem vínculo com o governo, mas decididos.

Eles se posicionaram na frente da embaixada não para defender o governo de Maduro, mas para impedir mais um golpe no continente sul-americano, que tem o apoio entusiasmado do filho do presidente da república.

Larissa Ramina, professora de direito internacional na UFPR

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Veja também o momento em que o diploma encarregado de negócios da Embaixada da Venezuela cobra do representante brasileiro proteção, de acordo com a Convenção de Viena, e ainda diz que os invasores foram autorizados pelo governo brasileiro: