Como o lobby pró-Israel age para pressionar políticos progressistas no Brasil

Atualizado em 1 de setembro de 2025 às 18:30
Bruno Bimbi, da StandWithUs, no Knesset, o parlamento de Israel (Foto: reprodução de redes sociais)

O jornalista, escritor e ativista LGBT argentino Bruno Bimbi é gerente de estratégia e política do StandWithUs Brasil. Ex-assessor do ex-deputado federal Jean Wyllys, do PSOL, ele estabelece contato com parlamentares do campo progressista em nome do grupo sionista.

A StandWithUs se apresenta como uma “organização educacional de combate ao antissemitismo”, mas busca influenciar diretamente a atividade legislativa no Congresso Nacional. Seu presidente é André Lajst, figurinha obrigatória da mídia na cobertura da Palestina.

Em janeiro, Bimbi enviou uma carta a signatários de uma nota em apoio à criação da Frente Parlamentar pelos Direitos do Povo Palestino. Todos os 33 nomes são do PT e do PSOL.

Segundo ele, a nota continha “perigosa apologia ao grupo terrorista Hamas”, apenas pelo uso de termos como “resistência” e “heroísmo”. O Brasil não classifica o Hamas como organização terrorista. No direito internacional, ele não integra as listas de sanções do Conselho de Segurança da ONU, que se concentram na Al-Qaeda e no ISIS.

Ao contrário, resoluções da Assembleia Geral da ONU reiteram o direito à autodeterminação e reconhecem a legitimidade da resistência contra ocupação estrangeira.

“É por isso que, com o maior respeito e consideração, estamos encaminhando junto à presente um documento com a nossa análise acadêmica e factual sobre a nota, que esperamos seja levada em consideração para ampliar a sua leitura e compreensão dos fatos”, relatava Bimbi.

“Solicitamos, por fim, com a maior urgência, uma reunião para conversar pessoalmente, com a convicção de que o diálogo, com respeito mútuo e sem preconceitos, é a única forma de começar a superar a polarização, a desinformação e os discursos de ódio que tanto dano fazem a tanta gente, no Brasil e no mundo”.

A carta de Bimbi pode ser lida aqui.

Ele busca reuniões presenciais “com urgência” com parlamentares, chegou a comparecer pessoalmente a gabinetes e, segundo relatos de assessores, insinuou possibilidade de ações na Justiça.

De acordo com políticos ouvidos pelo DCM, houve casos em que ele gravou conversas, enviou mensagens insistentes pelo WhatsApp e apareceu sem aviso prévio no gabinete. Uma funcionária chegou a bloquear seu contato, diante da obstinação. Os políticos pediram para não ser identificados, temendo retaliações.

Ao DCM, Bimbi afirmou que faz parte de “uma instituição educacional”. “Eu não denuncio pessoas; converso com elas. Da mesma forma que eu fiz durante muitos anos como liderança do movimento LGBT na Argentina e depois aqui no Brasil. Nunca denunciei um deputado na Justiça por homofobia, mas já conversei com muitos deputados que tinham feito comentários homofóbicos e ofereci informações e argumentos, com uma abordagem pedagógica e amigável, para eles entenderem que a homofobia é muito nociva em qualquer sociedade”, declarou.

“Alguns desses deputados acabaram inclusive apoiando leis em defesa dos direitos da população LGBT. São maneiras diferentes de lidar com o preconceito. Eu acredito no diálogo, não na denúncia e nem na ameaça”.

Uma deputada federal recebeu email de Bimbi em tom incisivo, no qual ele cobrava resposta imediata a pedidos anteriores de encontro. “Estamos entrando em contato mais uma vez, para solicitar uma reunião com a senhora, de preferência presencial, com a maior urgência”. Em outro trecho, reforçou a cobrança: “Não entendemos o porquê da recusa a DIALOGAR conosco”.

Ele reiterava acusações de apologia ao terrorismo e responsabilizava parlamentares críticos de Israel por disseminar “fake news” e “antissemitismo”.

Em maio, a deputada fez uma postagem em seu Instagram com a frase: “A principal causa de mortalidade infantil no mundo este ano é Israel”. O texto provocou uma reação virulenta de Bimbi num texto publicado no site da Conib (Confederação Israelita do Brasil).

Bruno Bimbi em ato na praia de Copacabana; ao fundo, luminoso diz que “no Irã, ser gay pode te levar à forca” (Foto: reprodução de redes sociais)

“Desde que a guerra começou, vários parlamentares do PSOL e outros partidos de esquerda publicaram inúmeras mentiras, além de acusar falsamente o Estado judeu de genocídio, colonialismo, limpeza étnica, apartheid. Promoveram campanhas antissemitas, como a que pede o rompimento de relações acadêmicas entre universidades brasileiras e israelenses; repetiram a frase ‘do rio ao mar’ (esta sim, uma incitação ao genocídio ou à limpeza étnica) como grito de guerra e a palavra ‘sionista’ como xingamento”, escreveu num longo artigo.

“Outras lideranças do mesmo partido não concordam com nada isso, mas também não agem. Ficam com medo de ser cancelados pela própria militância e pedem tempo (‘quando a guerra acabar) para levar a sério o problema do extremismo, o preconceito e o ódio em suas fileiras”.

Terminava assim: “A realidade é mais complexa que as palavras de ordem dos fanáticos e dos oportunistas.”

Influência do lobby israelense em outros países

O modus operandi da StandWithUs Brasil junto a parlamentares brasileiros reproduz táticas há muito conhecidas em outros países, como os Estados Unidos e o Reino Unido.

John Mearsheimer e Stephen Walt, no livro “The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy” (”O Lobby de Israel e a Política Externa dos EUA”, sem tradução no Brasil), explicam como o lobby pró-Israel, liderado pelo AIPAC, exerce forte influência sobre o Congresso americano.

AIPAC é a sigla para American Israel Public Affairs Committee, que em português significa Comitê Americano de Assuntos Públicos de Israel.

Segundo os autores, o AIPAC impõe um verdadeiro “estrangulamento” no Legislativo, recompensando apoiadores e punindo opositores, ao mesmo tempo em que controla o debate sobre a política externa dos EUA. O comitê, afirmam, “assegura que seus amigos recebam apoio financeiro robusto” e que aqueles considerados hostis a Israel saibam que o AIPAC direcionará doações para seus adversários.

Os dados confirmam essa prática: reportagem do jornal britânico The Guardian revelou que legisladores alinhados a Israel receberam, em média, mais US$ 100 mil em doações de grupos pró-Israel. Além disso, organizações como o United Democracy Project (UDP) — financiadas por aliados do AIPAC — anunciaram planos de gastar cerca de US$ 100 milhões para derrotar congressistas críticos a Israel, especialmente progressistas, por meio de campanhas que evitam mencionar explicitamente a origem pró-Israel, numa estratégia considerada coercitiva por críticos.

De acordo com o Washington Post, o próprio AIPAC afirma que 98% dos candidatos que apoiou venceram as eleições em 2022 e que a organização contribuiu para derrotar 13 concorrentes considerados uma ameaça à relação dos EUA com Israel.

No Reino Unido, o lobby israelense domina hoje o Partido Trabalhista. O site O Declassified UK revelou 13 dos 25 ministros do gabinete de Keir Starmer receberam doações de grupos pró-Israel, incluindo o Labour Friends of Israel (LFI) ou doadores associados. Isso significa que cerca de 52% do gabinete têm vínculos diretos com o LFI — ou seja, mais da metade.

O LFI é descrito como “um grupo de lobby parlamentar com financiamento opaco”, que já patrocinou mais de 240 viagens pagas a Israel para parlamentares em supostas “missões de apuração de fatos”, com valor total superior a 500 mil libras (R$ 3,6 milhões).

No último parlamento, 41 deputados trabalhistas aceitaram financiamento de fontes pró-Israel, enquanto o empresário Stuart Roden, ligado a esse campo, doou mais de 500 mil libras ao Partido Trabalhista antes da eleição de Starmer.

Keir Starmer em evento do lobby israelense Labour Friends of Israel

Entre os beneficiários estão figuras-chave como o primeiro-ministro Keir Starmer, sua vice Angela Rayner, a chanceler Rachel Reeves, o secretário de Relações Exteriores David Lammy e a ministra da Segurança Interna Yvette Cooper, que recentemente classificaram o grupo ativista “Palestina Action” como organização terrorista. Outros nomes incluem Jonathan Reynolds (responsável por exportações de armas a Israel), Peter Kyle e Pat McFadden, que também foram identificados como vice-presidentes do LFI.

Dentro do Partido Conservador, fontes indicam que cerca de 80% dos MPs conservadores são membros do grupo Conservative Friends of Israel (CFI).

A carta da StandWithUs, portanto, não pode ser vista como um episódio isolado, mas como parte de uma engrenagem muito maior: a infiltração sistemática do lobby israelense nas democracias ocidentais. No Reino Unido, o governo de Keir Starmer reeditou a “Guerra ao Terror” para perseguir jornalistas, ativistas e até parlamentares críticos da política israelense.

No Brasil, a ofensiva chega em forma de cartas de intimidação, testando os limites da soberania nacional e da independência do Congresso. Sem uma base parlamentar sólida que respalde sua política externa, Lula se encontra enfraquecido para afirmar uma posição soberana na questão palestina — e o risco é que a democracia brasileira, assim como a britânica, se torne refém de uma agenda imposta de fora.

 

Sara Vivacqua
Sara Vivacqua é mineira e advogada, necessariamente nessa ordem. Graduada em Direito pela Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg, na Alemanha, onde residiu por 13 anos, reside no Reino Unido desde 2011, onde trabalha como advogada