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Como o Partido Pirata mudou a política na Alemanha

Eles trouuxeram uma dose inédita de transparência ao mundo político alemão.

Piratas em ação

O texto abaixo foi publicado, originalmente, na versão em português do site alemão DW.

A convenção nacional do Partido Pirata da Alemanha começou nesta sexta-feira, dia 10. A facção que promete transparência foi fundada em 2006, e desde então conseguiu, em seis eleições, conquistar assentos nos parlamentos de quatro estados.

Segundo cientistas políticos do país, o sucesso dos piratas é ditado pelo desejo da população de que a política não seja mais feita “a portas fechadas” por políticos profissionais.

Os cidadãos não querem apenas poder votar a cada quatro anos, mas sim participar constantemente das decisões políticas, assim como poder compreendê-las melhor. “Transparência” é a palavra-chave dos piratas.

O enorme interesse da população pelas ambições do Pirata desencadeou uma verdadeira corrida dos partidos estabelecidos por mais participação popular e transparência.

Súbito, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, da conservadora União Democrata Cristã (CDU) propôs um “diálogo do futuro”, em que a população deveria dar opiniões sobre o futuro da Alemanha.

O site do projeto recebeu 1,7 milhão de visitantes. O oposicionista Partido Social Democrata (SPD), por sua vez, promoveu mais de 350 vezes um “diálogo de cidadania”. A pergunta sobre o que deveria melhorar no país recebeu cerca de 40 mil sugestões de cidadãos interessados.

Os integrantes do Partido Pirata da Renânia do Norte-Vestfália observam divertidos, mas também com orgulho, os esforços dos outros partidos em rapidamente se apoderar de seu tema de sucesso e aplicá-lo em suas campanhas. “Parece que nós colocamos o dedo na ferida”, afirma o líder da bancada dos piratas no estado, Joachim Paul.

Ele e seus companheiros de legenda acumularam muita experiência sobre como aplicar na prática a “transparência vivida” que propagam. Ao que tudo indica, trata-se de um processo lento.

“Ainda há muito nepotismo, principalmente nas cidades e comunidades”, diz Lukas Lamla, um dos suplentes de Paul: no espaço de um ano, não foi possível mudar muita coisa. Ainda assim, o partido procura estimular uma maior transparência dentro do parlamento estadual.

“Durante muito tempo, várias sessões das comissões e audiências não eram registradas em ata”, diz Lamla. Desse modo, muitas vezes não era possível compreender como se chegou a determinada decisão, nem determinar a que fatos ou declarações ela estaria relacionada.

Agora as atas são preenchidas, e a administração do parlamento renano trabalha para aperfeiçoar a tecnologia que permite transmitir as sessões plenárias diretamente na internet.

Contudo, os membros do Partido Pirata creem que, muitas vezes, seus esforços são abertamente freados. “Por exemplo, o Partido Liberal Democrático [FDP, da coalizão governamental] se recusou a participar de uma negociação se ela fosse transmitida ao vivo pela internet”, conta Patrick Schiffer, líder dos piratas na Renânia do Norte-Vestfália.

“Confusão e desconforto demais”: assim o diretor-geral estadual do Partido Pirata diagnostica a causa da resistência dos adversários da transparência. “É claro que é mais fácil para um político se os cidadãos não interferem nos seus planos.”

No conflito sobre o orçamento do estado, por exemplo, durante um bom tempo os partidos estabelecidos se opuseram a que se mandasse traduzir em gráficos compreensíveis a enxurradas de números fornecidas pelos encarregados do planejamento orçamentário.

“Caro demais”, argumentavam. Mas os piratas conseguiram impor a sua ideia. “Pela primeira vez, os cidadãos puderam perceber as dimensões de um orçamento planejado”, e as reações foram positivas, segundo o pirata Frank Herrmann.

Mas a discussão sobre até onde deve ir a transparência ocorre também dentro do próprio partido. Os mais radicais exigem que para os políticos não haja mais nenhuma possibilidade de ação privada: todas as negociações e sessões devem ser transmitidas ao vivo pela internet.

Segundo o pirata Jens Ballerstädt, essas vozes abarcam cerca de 10% do partido. Porém o que a maioria dos piratas defende é uma postura moderada. Importante é que as conversas confidenciais sejam posteriormente divulgadas, a fim de garantir a transparência necessária.

Para a candidata do partido à chefia do governo alemão, Melanie Kalkowski, a questão é clara. “Transparência não significa somente ter acesso aos dados, mas também poder entendê-los.” Portanto, no interesse dos cidadãos, os dados devem ser avaliados e processados.

Melanie Kalkowski, candidata pirata ao posto ocupado hoje por Merkel

Kalkowski dá um exemplo na política nacional: não adianta muita coisa se os deputados federais simplesmente declaram a soma de suas rendas adicionais. “Deve-se declarar exatamente quem paga quanto a quais parlamentares”, diz a candidata. Ela pretende igualmente se engajar para que os mais de 5 mil lobistas ativos em Berlim sejam cadastrados.

Recentemente, os piratas tiveram que constatar em seus próprios quadros quão difícil é lidar com a transparência na política. Justamente na Renânia do Norte-Vestfália, o escândalo em torno do envio atrasado do convite para candidatura nas eleições parlamentares nacionais acarretou a renúncia de diversos membros de sua diretoria.

Um integrante do Partido Pirata descreveu o caso em seu blog como “perjúrio dos próprios ideais”, resumindo, assim, o que muitos de seus correligionários pensaram e tiveram que admitir.

Diversas querelas pessoais também fizeram com que o partido perdesse parte da simpatia do eleitorado. Segundo pesquisas de intenção de voto relativas às eleições nacionais em setembro, o partido conta com o apoio de 3% dos eleitores.

No entanto, é necessário um mínimo de 5%, para um partido entrar para o Bundestag, a câmara baixa do parlamento, onde, até agora, os piratas não possuem representantes.

Diario do Centro do Mundo

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