Como prova a mãe que “fantasiou” o filho de escravo, o eleitor de Bolsonaro não assimilou a Lei Áurea. Por Donato

Atualizado em 29 de outubro de 2018 às 23:22
Sabrina Flor. Foto: Reprodução/Instagram

Em Natal, uma mãe fantasiou o próprio filho como escravo. Entusiasmada com o resultado, postou a foto no Instagram e aconselhou a seus seguidores: “Vamos abrasileirar esse negócio”.

Sabrina Nóbrega da Rocha Flor é eleitora de Bolsonaro. Será que alguém se surpreende com essa revelação?

Ela possui 1.454 seguidores no aplicativo, é branca, bem de vida e não tinha nada melhor para fazer do que postar fotos de seu filho caracterizado como um negro escravizado. 

Com requintes de acessórios como correntes presas aos pés e cicatrizes nas costas similares às provocadas por chibatadas.

A ‘brincadeira’ era para a festa de Halloween. O que bruxas têm a ver com escravos é algo que talvez essa mãe algum dia possa explicar. 

O que não é difícil deduzir, é que trata-se de uma recatada e do lar que não titubearia em incentivar que o filho fizesse uma foto black face como a que alunas de um curso de medicina fizeram durante uma competição universitária em setembro de 2015.

Ou ainda que participasse de alguma festinha como a esdrúxula “Se nada der certo”, na qual alunos de uma escola da elite de Porto Alegre foram fantasiados de faxineiras, atendentes do McDonalds, vendedores ambulantes, lixeiros, motoboys.

Todas essas brincadeiras ‘inocentes’, de inocentes não têm nada. Isso é brincar com o que não é brinquedo.

“Brincar com a raça é um privilégio. Frequentemente um privilégio racial, são os brancos que podem brincar de serem negros por uma noite”, disse o sociólogo francês Eric Fassin, professor da Sorbonne, quando confrontado com o tema.

A postagem da seguidora do inominável traz ainda a sugestão abjeta de retomada do ‘negócio’.

O ‘negócio’ da escravidão vigorou por muito tempo e há comprovação de que ele ainda sobrevive em algumas fábricas e fazendas. Na cidade, sua perpetuação se dá de maneira dissimulada. São os trabalhadores como os das funções satirizadas pelos estudantes ricos do “Se nada der certo”, como – e principalmente – pelos empregados e empregadas domésticas.

É sem dúvida nenhuma a essa categoria que Sabrina Nóbrega da Rocha Flor referiu-se quando foi ‘espirituosa’. 

Sabrina Flor certamente não gostou nem um pouco da PEC das domésticas e, na hora do voto para presidente no último domingo, foi fiel ao candidato que votou contra todos os benefícios e ainda gaba-se de ser ‘o único’ parlamentar a ter cometido a desumanidade.

Sabrina Flor é gente que concorda com o capitão quando ele diz “tem que acabar com isso daí”. Esse negócio de empregada doméstica trabalhar 8 horas por dia e ainda ter direito a férias, décimo terceiro salário, onde já se viu?

O sociólogo Jessé Souza tem uma análise inequívoca para o assunto:

“Há aqui uma multidão, mais de 50% da população brasileira, exercendo atividade semiqualificada. É trabalho manual, é trabalho sem grande incorporação de conhecimento, exatamente como o trabalho escravo. Essas classes populares são odiadas e desprezadas, como os escravos eram. Você pode matar um pobre no Brasil, que não acontece nada. A polícia mata com requintes de crueldade e ninguém se comove porque os pobres são percebidos de modo desumanizado, como os escravos eram. A escravidão perpassa o núcleo da sociedade brasileira. E boa parte da classe média tem preconceitos de senhor de escravo e da elite com relação a esse povo”.

Sabrina Flor não deve nunca ter ouvido falar em Jessé Souza, mas discordaria do sociólogo. Ela dirá que sua empregada “é alguém como se fosse da família”.

Sabrina Flor. Foto: Reprodução/Instagram