Como salvar seu ídolo pela internet

Atualizado em 19 de julho de 2016 às 12:27

Amanda Palmer, fenômeno da música na era digital, escreveu uma bela carta aberta com uma receita para salvar a carreira de seu amado Morrissey.

Amanda
Amanda

A cantora Amanda Palmer, celebrada como “o futuro da música” (inclusive por ela mesma), escreveu uma carta aberta para um de seus grandes ídolos, o vocalista Morrissey. Amanda virou um fenômeno do crowdfunding – o sistema de financiamento de projetos e causas pela internet, através de quem compra a ideia – e vem bancando sua carreira com o dinheiro dos fãs. Morrissey, o gênio dos Smiths, a melhor banda dos anos 80, cancelou uma excursão por problemas cardíacos e está sem gravadora. Ele é, segundo Amanda, “um dos melhores candidatos do planeta a usar o crowdfunding por causa do que é e do que significa”.

Amanda é um caso de sucesso num mundo em que a indústria fonográfica encolheu drasticamente. Conseguiu levantar 1,1 milhão de dólares de quase 25 mil seguidores no site Kickstarter e, com isso, fez o disco Theatre is Evil. Ela fez umas contas: se cada uma das 500 mil pessoas que gostam de Morrissey derem a ele 5 dólares, ele teria 2,5 milhões. O crowdfunding é uma ferramenta incrível. Só para ficar num exemplo recente, além do de Palmer, os diretores e produtores franceses Benjamin Pommeraud e Guillaume Colboc obtiveram 50 mil dólares de doações, em três semanas, para seu filme de ficção científica Demain La Veille.

É evidente que não se pode prever se isso dará certo para Morrissey ou qualquer outro. Mas a carta de Amanda é uma declaração sincera de amor e gratidão a um ídolo – e uma ideia de como manter vivo o trabalho de um artista que não é mais um “produto” interessante para as corporações, mas que continua relevante e importante para milhões de pessoas.

 

Caro Morrissey,

Vou lhe dizer: sou uma admiradora apaixonada de suas composições, seu canto e seus discos.

Eu comprei ingressos para vê-lo muitas vezes. Você fez a minha cabeça e o meu coração quando adolescente e até hoje continua a afetar minhas várias incursões artísticas.

Você me ajudou a me abrir, você me ensinou que eu podia ser brutalmente honesta nas minhas canções e que eu não precisava da permissão de ninguém.

Você me me ensinou que eu poderia cantar sobre qualquer coisa que eu quisesse. Então, não me importa o que você é, o que você faz ou o que você se tornou, eu vou me sentir eternamente grata a você.

Uma vez tive a chance de conhecê-lo. Minha banda, The Dresden Dolls, estava tocando em um festival na Alemanha, cerca de oito anos atrás, e você estava no camarim ao lado. Seu tecladista sentou comigo e começamos a conversar sobre os terríveis sanduíches do buffet nos bastidores. Eu disse a ele o quanto eu te amava e ele se ofereceu para me levar ao seu camarim para que eu pudesse dizer “olá”.

Isso é o quanto você significa para mim: eu não podia tolerar a idéia de Morrissey me encontrar e não gostar de mim, mesmo que as chances fossem pequenas. Em um movimento que me chocou, eu balancei a cabeça e recusei o convite. (Eu nunca vou saber se fiz a coisa certa…).

Então, antes de tudo: Como você se atreve a ter tal poder sobre mim?

E segundo: eu sinto muito em saber que você está doente. Acabei de ler sobre o cancelamento da sua turnê no jornal. Havia outra coisa que eu li no artigo que me fez parar e pensar. Ele dizia que você queria fazer música, mas não conseguia encontrar uma gravadora.

Pensei sobre isso e fiz uma experiência.

Eu sei que você não usa o Twitter, mas eu tenho certeza de que você, provavelmente, entende os conceitos básicos de como ele funciona. Eu tuitei um link para a matéria sobre sua turnê e, em seguida, fiz esta simples pergunta aos meus seguidores (eu tenho cerca de 850 mil): “Quantas pessoas aí pagariam 5 dólares de crowdfunding por um disco de Morrissey?”

Houve muitas, muitas respostas. Histórias foram compartilhadas. As pessoas, não surpreendentemente, disseram coisas super adoráveis e super criticas sobre você, como era de se esperar.

Mas o ponto é que, depois de algumas horas, perto de 1 400 tuites afirmavam que seus donos ficariam felizes em pagar 5 dólares para financiar seu álbum digital.

Isso só renderia cerca de 7 000.

Mas você… você é Morrissey. Você tem alguns dos admiradores mais fanáticos do mundo, pessoas dedicadas de vários países que ficariam muito, muito felizes em apoiá-lo para ter suas músicas nos ouvidos deles.

Você é possivelmente um dos melhores candidatos do planeta a usar o crowdfunding por causa de quem você é e o que você quer dizer.

Eu tenho pensado muito sobre isso. Para que alguém precisa de uma gravadora hoje em dia?

Morrissey
Morrissey

Para colocar álbuns em lojas? As lojas estão fechando.

Para telefonar para as rádios e pedir que toquem o álbum? As estações de rádio estão fechando.

Para entrar nas paradas? Quem se importa com isso? Você? Eu?

Para organizar uma turnê promocional e comprar espaço para informar que o álbum foi lançado? Bem… se você não vai fazer uma turnê e se as pessoas pré-encomendarem o disco, talvez não seja necessário.

O que acontece se você simplesmente entrar num estúdio, gravar um disco e coloca-lo na Internet para as pessoas fazerem download? E não fizer turnê? E não fizer qualquer promo tradicional? E não liberá-lo comercialmente? E não fizer nada?

Apenas enviar as canções para as pessoas que o amam e que pagaram por elas.

O que aconteceria? Não tenho certeza. Mas, querido Morrissey, eu gostaria que você pudesse ter lido os tuítes que recebi.

Os mais inspiradores foram nesta linha: “O simples fato é que eu gostaria de ouvir novas canções de Morrissey. Por esse privilégio eu poderia facilmente pagar 5 dólares”.

Este era um refrão constante e isso me deixou muito feliz: as pessoas só querem música e estão dispostas a pagar para que ela possa ser criada, mesmo que recebam apenas um arquivo.

Eles querem música. Eles querem ouvir e sentir. E isso parece simples, mas é um ponto importante: Eles querem ajudar. Ajuda-lo a fazer música.

A internet está agora num ponto em que seus fãs, basicamente, fazem o trabalho de divulgação de seu projeto para você. Tudo o que você precisa fazer é lançá-lo em um site como o Kickstarter ou o Pledgemusic e deixar a coisa se espalhar.

Você pode evitar a agonia da fabricação, do transporte, da distribuição tradicional física e da promoção.

Dado o histórico de vendas de seus discos, numa estimativa muito conservadora, você teria 500 000 pessoas dando 5 dólares cada.

É um total de 2,5 milhões.

Você não teria de fazer uma turnê e arriscar a sua saúde.

Você não teria de fazer nenhum trabalho promocional se não quiser.

Você também seria o primeiro artista de seu calibre a realizar um projeto desse tipo com a sua base de fãs, o que se tornaria histórico.

Como eu sei que você quase certamente não fará isso e que você pode muito bem pensar que eu sou uma idiota por escrever esta carta aberta, eu só gostaria de dizer o seguinte: Você pode ser o último da linhagem de sua família, mas gerou um monte de crianças inspiradas em seu canto e eu orgulhosamente me incluo entre elas.

Buda certa vez disse: “Se você tivesse de carregar seus pais por toda a vida deles – seu pai num ombro e sua mãe noutro –, até o ponto em que eles começassem a perder suas faculdades e o excremento deles escorresse por suas costas, isso não pagaria a sua dívida de gratidão”.

Como sua devota, devo dizer: eu não aguentaria até esse ponto horrível. Mas estaria totalmente ansiosa em ajudá-lo a fazer o crowdfunding.

Eu te amo.

E espero que você consiga o que deseja.