Como se defender da estupidez dos humanos na pós-humanidade. Por Lenio Streck

Atualizado em 4 de outubro de 2020 às 17:47
O jurista Lenio Streck em ação em julgamento no STF

Do O Sul.

Já escrevi sobre as cinco leis fundamentais da estupidez. Agora escrevo um breviário sobre como identificar esse tipo de gente, os estúpidos. Aqui também tratados como néscios.

O primeiro passo é saber identificar um néscio (estúpido). Só se pode falar sobre o que se conhece. No princípio era o verbo. As coisas estavam lá, mas ainda não tinham nome (João, I, I). Por isso, saia pelo mundo e os identifique, disse o mestre (se não disse, poderia ter dito). Se não é verdade, é bem provável, como dizem os italianos.

O primeiro sinal de que você está diante de um néscio é quando o seu interlocutor diz “tenho berço” ou “tenho berço europeu”. Falou que “tem berço”, pode cravar: néscio total.

Outro sinal: sujeito quem diz “na teoria, a prática é outra”. Pode empacotar – aqui valerá a lei do Barão do Itararé: de onde menos se espera, dali mesmo é que não sai nada. Similar a este sinal: “— último livro que li foi antes do concurso”. Pronto. Embrulha e leva. Na prática, a teoria é a mesma: néscio em teoria e prática.

Também um negacionista é necessariamente um néscio. Nem todo néscio é negacionista. Mas todo negacionista é um néscio.

Se tiver dúvida, faça o teste do jogo de xadrez com pombo. Deixe que ele faça duas ou três jogadas. Se ele esculhambar as pedras e sair de peito inflado dizendo que venceu, tenha certeza: é um néscio com méritos estúpidos.

Sinal interessante que identifica um estúpido: o sujeito quer cancelar todo mundo do passado, todas as grandes mentes. Quer cancelar David Hume, até Voltaire, daqui a pouco Aristóteles, a Bíblia, a civilização inteira. Cancelam tudo. Menos o anacronismo.

Mais outro sinal: o cara quem diz que “o Brasil vai mal porque não foi colonizado por holandeses ou ingleses”. Empacota. E mande pelo Fedex.

Uma evidência que não falha: o néscio repassa notícia falsa de WhatsApp e ainda acha que descobriu a pólvora. Por exemplo, sobre o Coronavírus…

Bom, presentes algum desses sinais acima, fuja. Corra e nem olhe para trás. Se olhar, pode virar néscio, como na destruição de Sodoma e Gomorra. A mulher de Ló fez isso.

Por isso, sobretudo, não esqueça: fuja.

Vacina contra néscios: livros. Leve um livro no bolso. Eles odeiam. Dão a volta na quadra.

Conselho que está na bula da vacunanéscio: (i) sobretudo, leia bons livros; (ii) selecione seus amigos nas redes sociais; (iii) fuja de grupos de neocavernas (whatsapp) nos quais, depois que você postou um texto, alguém coloca uma foto de cachorro – isto é um sinal de que você está sobrando no grupo; (iv) entenda sempre que um grupo de whatsapp já, em si, é um problema; (v) de todo modo, o lado bom é que grupos de neocavernas podem ser um excelente exercício empírico acerca de sua capacidade de conviver com néscios; (vi) de todo modo, leia livros – claro, fugindo dos livros de autoajuda e quejandos; (vii) – por fim, se você por acaso tiver livros do Paulo Coelho, não os queime – isso é sinal de que você pode ser um néscio.

Observação final: nem tudo que parece, é; mas se é, parece, dizia a sábia mãe do grande Professor e querido Amigo Vicente Barreto. Então, nem todo sujeito que parece ser um néscio necessariamente é um néscio; porém, se é néscio, necessariamente parece um. Dizem que o postulado não falha.