Para esta Conversa com Escritores Mortos, utilizamos trechos da Retórica a Herênio de Cícero.
Qual o ofício de um orador?
O ofício do orador é discorrer sobre as coisas que o costume e as leis instituíram para o uso civil, mantendo o assentimento dos ouvintes até onde for possível.
Quais as características necessárias a um bom orador?
O orador deve possuir criatividade, disposição, elocução, memória e pronunciação.
O senhor poderia se aprofundar um pouco mais nesse assunto?
A criatividade consiste na descoberta de coisas verdadeiras ou verossímeis que tornem a causa provável. A disposição é a ordenação e distribuição dessas coisas, mostrando o que deve ser colocado em cada lugar. A elocução é a acomodação de palavras e sentenças que se adequem à invenção. A memória é a firme apreensão, no ânimo, das coisas e palavras. Pronunciação é a moderação, com encanto, de voz, semblante e gesto.
Como se tornar um bom orador? É uma característica com a qual nascemos ou algo que podemos desenvolver à longo prazo?
A excelência nessa arte pode ser desenvolvida à longo prazo, alcançada por três meios: a arte, a imitação e o exercício. A arte consiste no preceito que dá método e sistematização ao discurso. Imitação é aquilo que nos estimula a que logremos ser semelhantes a outros no dizer. Exercício é a prática assídua e o costume de discursar.
Passemos para o discurso em si e as suas particularidades. Quais são os seus gêneros?
Há o discurso demonstrativo, o deliberativo e o judiciário.
O senhor poderia nos explicar em que consiste cada um deles?
O demonstrativo destina-se ao elogio ou vitupério de determinada pessoa. O deliberativo efetiva-se na discussão, que inclui aconselhar ou desaconselhar. O judiciário, por sua vez, contempla a controvérsia legal e comporta acusação pública ou reclamação em juízo com defesa.
E quais as partes do discurso? Como podemos dividi-lo?
Um discurso pode ser dividido em seis partes, sendo elas o exórdio, a narração, a divisão, a confirmação, a refutação e a conclusão.
Hmmm…
O exórdio é o começo do discurso, por meio do qual se dispõe o ânimo do ouvinte a ouvir. A narração é a exposição das coisas como aconteceram ou como poderiam ter acontecido. A divisão é o meio através do qual explicitamos o que está previamente estabelecido e o que está em controvérsia e anunciamos o que falaremos. A confirmação é a apresentação dos nossos argumentos com asseveração. A refutação é a destruição dos argumentos dos outros. A conclusão é o término do discurso.
Suponho que não seja fácil conquistar a atenção e a simpatia de um ouvinte. Qual o senhor considera a melhor maneira de fazê-lo?
Teremos ouvintes atentos se prometermos falar de matéria importante, extraordinária e nova ou que diz respeito à República, ou aos próprios ouvintes, ou ao culto dos imortais. Podemos tornar os ouvintes benevolentes de quatro modos: baseados em nossa própria pessoa, na de nossos adversários, na dos ouvintes e na própria matéria de que tratamos.
Como assim, “baseados em nossa própria pessoa?”
Obteremos benevolência se louvarmos nosso ofício sem arrogância e se mencionarmos o que fizemos para o bem da República, de nossos pais, de nossos amigos ou daqueles que nos ouvem, desde que isso tudo seja acomodado à causa que defendemos.
E na pessoa de nossos adversários?
Baseados na pessoa de nossos adversários, granjearemos a benevolência dos ouvintes se os levarmos ao ódio, à indignação ou ao desprezo. Ao ódio havemos de arrebatá-los caso alegarmos que aqueles agiram com crueldade, perfídia e depravação. Podemos indigná-los falando da violência dos adversários, da tirania, das facções, da riqueza, dos laços de hospitalidade, da intemperança, da notoriedade, da clientela, e alegarmos que eles fiam-se mais nesses recursos do que na verdade. Ao desprezo os conduziremos se expusermos a inércia de nosso adversário, sua covardia, ociosidade e luxúria.
Como discursar bem? Quais os principais aspectos de um bom discurso?
Três coisas convêm: que seja breve, claro e verossímil. Somos breves quando começamos de onde é necessário e evitamos retomar o assunto desde a mais remota origem. Deve-se narrar resumida e não detalhadamente, não fazer transições e não afastar-se do assunto. Suponho que seja preferível deixar de lado não somente o que atrapalha, mas também o que em nada ajuda, mesmo que não atrapalhe. Narraremos de modo claro se expusermos em primeiro lugar a primeira coisa que aconteceu e se conservarmos a ordem cronológica dos acontecimentos tal como tiverem ocorrido ou como devem ter ocorrido. Assim, deve-se cuidar de não discursar de modo confuso e de não passar a outro assunto.