No YouTube, o melhor filme sobre a convivência impossível entre israelenses e palestinos. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 6 de fevereiro de 2016 às 22:12

 

“5 Câmeras Quebradas” mostra como a convivência entre israelenses e palestinos é impossível – e, ao mesmo tempo, fala de uma certa esperança de tudo se ajeitar.

Emad Burnat, um pequeno proprietário de terras em Bilin, ganhou uma filmadora meia-boca em 2005, quando nasceu seu quarto filho, Gibreel. Naquele mesmo ano, colonos israelenses começaram a construir assentamentos nas redondezas de sua casa, erguendo uma cerca.

Os invasores tentaram expulsar os moradores. Destruíram suas oliveiras, seu ganha-pão. Protestos passaram a ocorrer semanalmente.

Emad registrou tudo: as bombas de gás lacrimogêneo, tiros de balas de borracha, prisões, ameaças. No meio tempo, filmava o crescimento de Gibreel e suas reações diante daquele mundo hostil.

Em 2007, a Justiça determinou a derrubada da cerca (o que só iria ocorrer quatro anos depois). Emad juntara centenas de horas de imagens. Seu amigo israelense Guy Davidi — cineasta, ativista e co-diretor do documentário –, sugeriu que aquilo virasse um documentário.

Davidi sugeriu também a abordagem: contar a história desses confrontos em cinco capítulos, cada um deles ilustrado pelo que cada uma das câmeras capturaram antes de ser detonadas.

O resultado é lindo em sua simplicidade e contundência. Jornalismo cru, sem proselitismo, original, a crônica de uma terra disputada por dois vizinhos – um rico, armado e protegido, outro sem ter a quem apelar.

Emad Burnat nunca teve aulas de cinema, para sorte dele e nossa. Corajoso, ele foi para a linha de frente, desafiando o exército israelense e quem fosse necessário com suas filmadoras e seu papo de que era “jornalista” e tinha “autorização para trabalhar”.

Não desiste quando soldados passam a frequentar sua aldeia à noite e a prender crianças. Permanece ao lado dos dois amigos, o fanfarrão Adeeb e o grandalhão El-Phil, quando eles são detidos e, mais tarde, quando um deles é ferido mortalmente.

Não recua na hora em que a mulher, Soraya, pede que ele largue tudo porque ela não aguenta mais viver com medo. (Soraya foi criada no Brasil e, a certa altura, fala em português com o marido. O próprio Emad passou um tempo aqui).

A visão filosófica do conflito faz com que Emad não perca a cabeça. Ele é condenado à prisão domiciliar – e leva a câmera. Ele vê seu pai e sua mãe desesperados diante da detenção de seu irmão, tentando parar um jipe com o corpo. Ele testemunha um tiro à queima-roupa na perna de um manifestante que já estava dominado. É como se a câmera o blindasse, ele diz (o que, na realidade, não é verdade e tem suas consequências para sua integridade física).

 

Emad (centro) perde uma de suas câmeras depois de um disparo do exército israelense
Emad (centro) perde uma de suas câmeras depois de um disparo do exército israelense

 

Numa situação desesperadora, Emad não procura aliança com terroristas ou faz curso para virar homem bomba. Ao invés disso, a cada câmera destruída, ele adquire outra. É o que dá sentido à sua vida. É o jeito de cuidar de sua família e de seu povo.

“5 Câmeras Quebradas” foi indicado para o Oscar de documentário em 2013. Com simplicidade e poucos recursos, com talento, urgência e coragem, um judeu e um palestino realizaram um pequeno épico. “Se você for ferido, vai sempre se lembrar da sua ferida, mesmo depois de ela se curar. Se você se machucar de novo e de novo… você esquece as suas cicatrizes”, diz Emad. “Mas a câmera se recorda, e então eu filmo para me curar”.

Mais atual, impossível.