Como um livro sobre Abdelmassih virou um inferno para a autora e outras vítimas

Atualizado em 20 de agosto de 2015 às 15:07
Vana Lopes
Vana Lopes

 

A estilista e estudante de Direito Vanuzia “Vana” Leite Lopes (55), estuprada pelo ex-médico Roger Abdelmassih, lançou no mês de maio seu livro “Bem-vindo ao Inferno”, escrito com ajuda do biógrafo de Lobão e Romeu Tuma Jr., Claudio Tognolli.

Nele, Vana conta a história de sua caçada atrás do homem que a violentou quando ela queria ter um filho em uma clínica de fertilização artificial.

O lançamento foi na Livraria Cultura, em São Paulo, com a presença do juiz Sérgio Moro e de sua esposa, Rosângela Wolff Moro, autores do prefácio. Vana é fã do trabalho filantrópico de Rosângela.

Criou uma comunidade no Facebook chamada Vítimas Unidas, que se transformou numa ONG. Por causa disso, foi indicada ao prêmio “Faz Diferença” do jornal O Globo.

No dia 19 de agosto, completou-se um ano da prisão de Abdelmassih. O DCM fez a primeira entrevista com Vana em setembro de 2014, quando ela montou uma moção de repúdio ao juiz Gilmar Mendes por ter concedido habeas corpus ao estuprador, o que facilitou sua fuga para o Paraguai.

Com uma cobertura massiva da mídia, o livro tinha tudo para ser um êxito. Vana deu entrevistas em telejornais, participou de talk shows, ficou famosa.

A obra, no entanto, não decolou. Foram vendidos 4,5 mil exemplares até o momento. Não há previsão de nova edição. Vana Lopes diz que o objetivo não era se tornar bestseller. “Não fiquei rica”, ela admite.

Mas esse foi apenas um dos revertérios experimentados por Vana.

Helena Leardini (45), outra vítima de Abdelmassih, fez duras críticas ao livro e à índole da autora em uma entrevista ao DCM. Helena declarou que Vana tinha “sacaneado” as outras mulheres que sofreram na mão do médico e o repórter que deu o furo de reportagem da prisão, Leandro Sant’Ana, da TV Record.

Helena também afirmou que o livro originalmente não era de Vana Lopes, apontando que a ideia teria sido roubada de Teresa Cordiolli. Vana solicitou um direito de resposta. O DCM conversou com ela por quatro horas em seu apartamento no bairro da Vila Mariana, em São Paulo.

“Estou saindo da cidade por recomendação médica, com a exposição dos meus dados privados na internet. Estou abalada com isso”, disse ela. Seu telefone celular teria sido publicado no Facebook por Helena Leardini. Ela diz que recebeu ameaças também de outras pacientes violadas por  Abdelmassih.

As malas já estavam prontas no quarto, com roupas dobradas sem muito cuidado.

“O meu trabalho atualmente é a ONG Vítimas Unidas. Eu parte do valor das vendas para sustentar uma organização que dê orientações para vítimas de estupro e de outros crimes bárbaros na internet. Eu não sou uma oportunista”, disse Vana.

Ela afirma que ganha um real por cada exemplar vendido. “Bem-vindo ao inferno” custa R$ 49,90.

“Louca e psicopata”

De acordo com seu relato, todas as páginas nas redes sociais vinculadas a sua causa chegaram a reunir quase 44 mil pessoas, entre elas parentes, amigos, jornalistas, advogados, simpatizantes e denunciantes.

Em um dos diálogos que Vana me mostrou no computador, aparece uma mulher insinuando que ela teria sido condenada por furto de um apartamento. Vana Lopes me apresentou à suposta proprietária do imóvel, que pediu para manter sua identidade no anonimato.

A acusação de furto era verdadeira, mas Vana tinha sido inocentada. Ela teria tentado apartar uma briga de casal, quase foi morta pelo ex-marido da amiga e ajudou-a a recolher os pertences na fuga. Foi registrada uma queixa e ela foi julgada inocente.

Outro homem a chama de “louca”, “psicopata” e fala em diferentes mensagens que ela teria “problemas mentais” — Vana sofre de síndrome do pânico.

Ela protocolou queixas-crime contra Helena Leardini, Teresa Cordiolli, Ivani Serebrenic, Nelma Luz e outras pessoas por calúnia, injúria e difamação. O processo corre em segredo de justiça.

Vana conta que não sabia quem eram Claudio Tognolli ou Malu Magalhães, os ghost writers. “Eu conhecia o Paulo Tadeu, que é o meu editor na Matrix, e o Claudio tocou com ele em uma banda de rock quando tinham 15 anos”, diz. “Conheci o Tognolli no dia 9 de fevereiro. As posições políticas dele, de Moro e de qualquer pessoa não me importam”.

Blogueiro controvertido do portal Yahoo, Tognolli é amigo de policiais federais e tido como mitômano. Ele e Malu ouviram os relatos de Vana e chegaram a um catatau de 423 páginas. A Matrix não quis revelar se obtiveram adiantamento, mas isso é praxe em lançamentos grandes. Vana afirma não ter levado nada.

Para ela, o objetivo de “Bem-vindo ao Inferno” — frase com a qual recebeu Abdelmassih no aeroporto de Cumbica após sua captura —, não é representar todas as pessoas atacadas pelo monstro.

“Se eu quiser escrever um livro sobre culinária e você publicar antes de mim, isso é errado? Livro possui patente? Acho que qualquer um pode escrever, principalmente se for uma autobiografia. É sobre a minha vida, a história da minha mãe, o estupro que sofri e a caçada ao Roger”, explicou Vana, com a voz embargada.

Roger Abdelmassih ainda a assombra.  “Quando você tem uma cicatriz, isso é uma dor sem cura. Eu não estou curada. Nenhuma vítima de violência sexual se recupera completamente disso. Quando você sofre um acidente de carro, se você tem um grande corte na pele é necessário fazer uma plástica. E não existe mágica nisso. Mexer em uma cicatriz significa movê-la para um lugar que não é visível no seu corpo. Essa é uma metáfora do que sofri”.

Ela lamenta que tenha de sair da cidade: “Queria ficar com minha filha aqui em São Paulo e com o meu marido”.

No processo, Helena Leardini terá uma audiência de conciliação, mas a ex-amiga afirma que jamais vai procurá-la sozinha, sem auxílio judicial. “Pode ser que ela não seja penalizada pelas calúnias que posta. Eu não tenho intenção de colocá-la na cadeia, nem as demais vítimas que participaram dessas conversas. Mas parece que elas podem falar o que bem entendem e fica por isso mesmo”, diz.

Depois do que sofreram nas mãos de um criminoso, Vana e outras presas são novamente castigadas, desta vez numa fogueira de vaidades criada por elas mesmas.