Como vive hoje a garota que denunciou abuso sexual do pastor Feliciano. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 22 de março de 2017 às 13:31

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Quando estive pessoalmente com Patrícia Lélis, vítima de tentativa de estupro por parte do pastor e deputado Marco Feliciano, havia ainda certo desespero em suas feições.

Pudera: foi vítima várias vezes.

Primeiro, quando foi agredida e violada pelo dito homem de Deus. Depois, quando foi ameaçada e perseguida por seus condescendentes. E ainda quando foi massacrada pela mídia direitista. Agora, diz Patrícia, o incômodo é outro: “Eu sou conhecida como ‘a menina do Feliciano’. Eu não sou a menina do Feliciano, eu tenho um nome.”

Resolvi revisitar o caso e saber como Patrícia Lélis tem vivido depois do trauma de uma tentativa de estupro – e, sobretudo, como tem reagido às profundas mudanças geradas em sua vida a partir desse trauma.

O que eu descobri nessa conversa, entretanto, vai além disso.

1. Como está a sua vida atualmente? Você se considera recuperada do trauma de uma tentativa de estupro?

Então, atualmente a minha vida segue. Eu tô fazendo terapia, e tudo mais. Claro que eu tenho muito apoio, principalmente da família, dos amigos.

Encontrei também muito apoio nos grupos feministas, e, assim, o maior trauma que me gerou, é eu andar na rua, eu vir à faculdade, e as pessoas saberem quem eu sou, e por um motivo tão triste. E as pessoas virem em mim e perguntarem: “Você é a menina do Feliciano?”

Sendo que eu tenho um nome, e parece que o meu nome foi esquecido, eu passei a ser ‘a menina do Feliciano’, isso é, de longe, uma das maiores marcas, porque tenho que lidar até hoje. Mas tenho tentado me recuperar da melhor forma possível.

2.Como você lida com essa ‘despessoalização’ por parte das pessoas? O que costuma responder?

Olha, eu aprendi a falar o que eu penso. Então, quando alguém me pergunta “você é a menina do Feliciano?” eu falo: “Não senhor! Eu sou a Patrícia Lélis, eu não tenho nada a ver com o Feliciano, nunca fui nada dele.”

Eu acho muito incômodo e muito desrespeitoso por parte de quem fala isso, é o cúmulo da falta de noção.

3.Desde quando exatamente você “aprendeu a falar o que pensa”? Tem a ver com o caso?

Então, eu aprendi a falar o que eu penso desde o dia em que eu vi que não tenho que prestar contas pra ninguém. Eu sou a vítima, não tenho que dar explicações. Porque antes eu tinha todo um padrão pra seguir, né?

Eu tinha que ser aquela menina bonitinha, arrumadinha, falar as coisas na hora certa, e aí eu percebi que eu não devo nada pra ninguém, que eu tenho que ser o que eu sou, e isso me fez passar a responder as pessoas do jeito que eu acho que tenho que responder, principalmente quando o assunto é esse.

E sim, teve totalmente a ver com o caso, porque se não fosse isso eu não teria me descoberto, né? Porque todo dia eu me descubro um pouco, e eu não teria isso se não fosse toda essa história. Eu ainda estaria vivendo numa… eu não posso falar numa mentira, mas naquela caixinha fechada, sabe?

4.Sim, sei. Então esse trauma serviu de alguma forma pra te empoderar? Ou o empoderamento decorreu do contato que você teve com os grupos feministas que te apoiam?

Então, com certeza serviu pro empoderamento, porém, eu não posso negar que eu tive a ajuda de grupos de mulheres. Porque essa coisa de desconstrução é muito difícil, é você desconstruir pra construir novos conceitos, e isso pra mim é muito difícil.

Eu não posso negar que o fato do meu empoderamento ter chegado a esse ponto foi por conta dessas pessoas – dessas mulheres, quero deixar muito claro que foram mulheres – que estiveram ao meu lado, porém, o caso ajudou sim, com certeza, porque, a partir do momento que aconteceu tudo aquilo, eu precisei abrir minha mente e falar ‘não, peraí, tem alguma coisa errada do lado de cá.’

5.Como está atualmente a sua relação com a religião?

Eu não sou religiosa! Não sou evangélica, não sou católica, nada disso. Eu acredito em Deus, porém eu acho que se Deus estivesse na terra, a última coisa que ele seria é religioso.

A religião deturpa bastante as coisas. Eu acho que o maior mandamento de Deus é o amor, o amor ao próximo. E eu posso dizer, minha filha, que quando eu era religiosa, a última coisa que eu tinha era amor ao próximo!

Tinha a língua afiada pra falar mal dos outros. Então, posso dizer que eu, hoje, como não-religiosa, sou uma pessoa muito melhor do que antes.

6.O Feliciano e seus ‘aliados’ voltaram a te procurar recentemente, ou cessaram as ameaças?

O Feliciano nunca me procurou diretamente, até porque seria muita burrice. Mas o pessoal ligado a ele, como Kelly Bolsonaro, Sarah Winter e outros, me procuram frequentemente com insultos e ameaças, inclusive em posts no facebook. Fazer o que? Acho que no fundo é amor.

7.Te procuram pra que, exatamente?

Elas fazem postagens absurdas ao meu respeito. Muita gente me procura pra chamar de puta, vadia, ameaças de morte… Essas já estão sendo devidamente processadas.

8.Que outros prejuízos essa tentativa de estupro deixou na sua vida pessoal e sexual? Mudou a sua maneira de ver os homens? Como fica a vida de uma mulher que sofre esse tipo de violência e como lidar?

Então, não é fácil reconstruir a vida sexual, é muito difícil mesmo! Porque acaba que na hora “h” a gente sempre lembra e acaba travando.

Porém a gente sempre pode e deve procurar ajuda! E foi o que eu fiz e fiz sem medo mesmo, sem medo de julgamentos e afins.

Homens: é complicado deeeeemais! Principalmente porque homem sempre tende a ser machista, coisa que é um saco sem fim!

Atualmente eu namoro um rapaz que eu jamais me imaginaria namorando: de esquerda, e ele me ajuda muito, me entende, e não cobra nada. Eu já o conhecia antes do caso todo, porém não tinha envolvimento por ele ser de esquerda, ateu e etc…e confesso que eu estava mais uma vez errada!

O homem quando quer pode sim contribuir com a mulher, ajudar e etc… basta não ser machista e principalmente da espaço para a mulher se expressar, e ser compreensivo.

9.Há algo que você gostaria de dizer às mulheres evangélicas/conservadoras?

E como há! (risos) Acho que o principal recado que eu quero da a elas é: Deus é amor, e não religião. E eu acredito muito que Deus não é machista é que ele ama as mulheres!

Então nenhuma mulher deve se curvar e aceitar abusos, julgamentos e afins seja do pastor, do marido, do namorado, do pai…

Quando a igreja fala que “mulher tem que se dá o respeito”, eu acredito que o respeito que cada mulher deve ter é justamente sobre isso: não aceitar nada que lhe falte o respeito.