Compra de chuteiras com emenda de Flávio Bolsonaro tem indícios de desvio

Atualizado em 22 de setembro de 2025 às 11:50
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Foto: Reprodução

Recursos de emendas parlamentares do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e da deputada Chris Tonietto (PL-RJ), aliada da família, foram usados em projetos esportivos de uma ONG no Rio de Janeiro com indícios de desvio de dinheiro. A investigação é do UOL e aponta compras superfaturadas e sem comprovação de entrega.

O Instituto de Formação Profissional José Carlos Procópio (Ifop), em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, recebeu R$ 200 mil de emenda de Flávio Bolsonaro para o projeto Jogadores do Futuro, realizado entre março de 2023 e fevereiro de 2024. Foi a primeira vez que a ONG recebeu verba pública.

A prestação de contas mostra gasto de R$ 30,7 mil na compra de 212 chuteiras e porta-chuteiras sem comprovação de entrega. Pais confirmaram que as crianças nunca receberam o material. Relatórios anexaram imagens em que jovens apareciam de chinelos, tênis ou chuteiras sem padrão.

Além disso, uniformes e acessórios esportivos custaram mais que o dobro do valor de mercado, gerando prejuízo estimado em R$ 52,8 mil, equivalente a um quarto da verba de Flávio.

Relatórios da ONG Ifop mostram alunos descalços, de tênis, com chuteiras sem padrão e até chinelos. Foto: Reprodução

Em novembro de 2023, o Ifop recebeu mais R$ 300 mil, desta vez por emenda da deputada Chris Tonietto, para o projeto Vencedores do Futuro.

Os relatórios não comprovam a entrega de 320 chuteiras e 313 porta-chuteiras comprados por R$ 46,1 mil. Também foram adquiridos camisas, calções, meias e coletes por R$ 58,5 mil, valor 58% acima do estimado no mercado. As suspeitas de superfaturamento e desvio chegam a R$ 80 mil.

Defesa dos parlamentares

Flávio Bolsonaro afirmou que “a emenda destinada ao Ifop foi realizada dentro da legalidade e dos parâmetros estabelecidos pelo Ministério do Esporte, com total transparência”. Ele disse ainda que houve devolução de recursos não usados, embora notas fiscais comprovem pagamentos.

“É fundamental deixar claro: o papel do parlamentar é garantir recursos para projetos e instituições que estejam devidamente habilitados junto aos ministérios. Se houver qualquer suspeita de irregularidade na execução por parte do beneficiário, cabe apuração rigorosa e punição dos responsáveis”, completou.

Chris Tonietto disse que visitou núcleos do projeto e verificou atividades. Segundo ela, “qualquer questão relacionada a eventual sobrepreço em aquisições foi objeto de auditoria e análise do próprio Ministério do Esporte, etapa da qual o gabinete não participa”.

O Ministério do Esporte informou que os projetos seguem em análise técnica e podem ser alvo de notificações. Já o Ifop declarou que os materiais foram adquiridos pelo menor preço após cotação, mas não explicou a falta de comprovação de entrega.

Emendas de Chiquinho Brazão

Em dezembro de 2023, o Ifop também recebeu emenda de R$ 1,5 milhão do ex-deputado Chiquinho Brazão, acusado de mandar matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. A verba foi destinada a um projeto de aulas de informática na Baixada Fluminense.

Criada em 2008, a ONG é presidida desde 2022 pelo advogado José Rômulo Oliveira Alves. Em 2023, o vereador Waldir Brazão aprovou na Câmara do Rio o título de utilidade pública para o instituto.

O ex-deputado Chiquinho Brazão. Foto: Reprodução

Empresa fornecedora e ligação com outra ONG

Todos os materiais foram comprados da TH3 Comércio e Serviços, empresa aberta em 2022 em Nova Iguaçu (RJ), no apartamento de sua dona, Thamyres Pessoa Gonçalves Corrêa. Sem histórico no setor esportivo, a empresa foi a única participante das seleções do Ifop e recebeu R$ 194,1 mil, sendo R$ 77,2 mil da emenda de Flávio e R$ 116,9 mil da de Chris.

Thamyres também é diretora do Instituto Educarte, que recebeu R$ 4 milhões em emendas de Chiquinho Brazão. Ela apresentou documento assinado por seu marido, Eduardo Corrêa Castilho, diretor executivo do Educarte, atestando a capacidade da empresa para fornecer materiais.

Em outro contrato, a TH3 forneceu camisetas ao projeto Mulheres Conectadas, também bancado por Brazão. Relatórios mostram a compra de 1.240 peças a R$ 52 cada, embora o preço de mercado fosse próximo de R$ 25. Nas notas fiscais, porém, constavam 2.480 camisetas — o dobro da quantidade necessária.

Thamyres disse que todos os contratos foram cumpridos e que os preços consideraram personalização, prazos de entrega e encargos.

Citação no caso Marielle

O Ifop chegou a ser citado nas investigações da Polícia Federal sobre o assassinato de Marielle Franco. Em mensagens, Robson Calixto Fonseca, ex-assessor de Brazão, pediu à assessora de Flávio Bolsonaro que o projeto da ONG fosse mantido.

O Jogadores do Futuro terminou em fevereiro de 2024 e não foi renovado. Brazão e Fonseca continuam presos, aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).