Comunista, Saldanha jogou com o futebol e a vida. Por Osvaldo Bertolino

Atualizado em 16 de junho de 2018 às 8:30
Saldanha, com Pelé e Gérson

PUBLICADO NO BLOG O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Copa do Mundo para os brasileiros é muito mais que uma competição. É o ápice de uma forma de brasilidade que entra em campo de quatro em quatro anos. Mesmo quem não acompanha futebol sabe dizer o que fazia no dia em que perdemos aquela Copa, no dia em que ganhamos aquela outra. Como explicar esse fenômeno? Porque as regras são simples, porque qualquer um pode jogar, porque o mais fraco sempre tem uma chance são boas respostas. A simplicidade do jogo, com suas 17 regras, todas facílimas de entender, e a facilidade de adaptação para qualquer lugar e por qualquer número de pessoas — como mostra o advento de seus irmãos futsal, soçaite e de praia (ou de areia) —, além de não requerer equipamentos caros ou sofisticados, são fatores invocados para o seu êxito em âmbito mundial.

São 250 milhões de pessoas nos cinco continentes praticando o futebol atualmente, segundo uma pesquisa patrocinada pela Fifa. Outro dado impressionante: enquanto o número de filiados à Organização das Nações Unidas (ONU) é de 189, os membros da Fifa chegam a 203. Fora de campo, o futebol é um campeão de audiência — calcula-se que a final da última Copa do Mundo tenha sido vista por 1,5 bilhão dos 6 bilhões de terráqueos. No Brasil, a criança ao nascer ganha nome e um time de futebol. Inicia-se assim a construção social do ato de torcer, do que resulta um fato sócio-histórico que mescla a identidade pessoal e coletiva do chamado torcedor.

O fenômeno exige pesquisa, reflexão. Exige, sobretudo, visão histórica. Intelectuais do porte de Graciliano Ramos e Lima Barreto incursionaram pelo universo futebolístico sem grandes êxitos em suas conclusões exatamente porque não dispunham de elementos propiciados pelo tempo. Para Graciliano Ramos, o futebol no Brasil seria fogo de palha. “Temos esportes em quantidade. Para que metermos o bedelho em coisas estrangeiras? O futebol não pega, tenham a certeza”, escreveu. Já Lima Barreto subestimou o papel intelectual do futebol. “Tudo tem um limite e o futebol não goza do privilégio de coisa inteligente”, chutou, acertando a bandeirinha de escanteio.

Inteligência é um pré-requisito para se jogar futebol com arte. Não existe outra explicação para as jogadas mágicas em que o futebol encontra a arte; aqueles lances que ninguém sabe explicar como acontecem, que exigem uma reflexão a respeito, um esforço qualquer de fruição, de tradução do que é rarefeito, de compreensão daquilo que não é imediato, berrante, visível. Lances assim só são possíveis com aquela espécie de jogadores que toca bem a bola, bate bonito na gorducha, amacia no peito, baixa com elegância no gramado. Jogadores que driblam em espaços mínimos, cobram faltas com precisão milimétrica, dão passes de 40 metros com perfeição. Enfim: sabe tudo e mais um pouco. Sem falar nos gênios, como Pelé — o rei santista que passava por cima dos zagueiros como Átila, o huno, e cavalgava por sobre os povos que conquistava.

A explosão de popularidade do futebol no Brasil nas primeiras décadas do século XX despertou também outras análises mais bola no chão. Gilberto Freyre, em Sobrados e Mucambos, publicado em 1936, mencionou “a ascensão do mulato não só mais claro como mais escuro entre os atletas, os nadadores, os jogadores de futebol, que são hoje, no Brasil, quase todos mestiços”. No fundo, ele estava dizendo que o futebol passava por um processo de abrasileiramento. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo dia 3 de setembro de 1977, intitulado “A propósito de Pelé”, Gilberto Freyre comparou o rei aos escritores Machado de Assis e Euclides da Cunha, ao compositor Heitor Villa-Lobos e ao arquiteto Oscar Niemeyer. O que une todos eles? A genialidade, respondeu.

No futebol, essa genialidade ainda não está devidamente quantificada e qualificada. Ela extrapola as quatro linhas. Um personagem que sintetiza bem o potencial do universo futebolístico é João Saldanha. Como jornalista, técnico e dirigente ele traduziu, mais do que ninguém, aquilo que a crônica esportiva chama de “magia do futebol” — história brilhantemente reconstituída pelo jornalista André Iki Siqueira no livro João Saldanha, uma vida em jogo, publicado pela Companhia Editora Nacional. Em 550 páginas, Siqueira conta os 73 anos de vida do jornalista — dos quais a maioria vivida também como militante do Partido Comunista.

Saldanha chegou ao posto mais alto do futebol brasileiro em fevereiro de 1969, quando assumiu o cargo de técnico da seleção. Dirigiu o time brilhantemente em pleno governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, o general que comandou o período mais violento da ditadura imposta pelo golpe de 1964. Para ele, Médici era o maior assassino da história do Brasil. O paradoxo terminou treze meses depois, em 17 de março de 1970, quando Saldanha foi demitido depois de um turbulento período de interferência do presidente na seleção. Em uma “Carta aberta ao futebol brasileiro”, publicada pela revista Placar na edição de 27 de março de 1970, o já ex-técnico da seleção puxou o fio da meada e explicou como o regime pôs verdadeiros cães de guarda para vigiar seus passos.

Foi uma trama urdida pelo presidente da então Confederação Brasileira de Desportos (CBD), João Havelange, e o ministro da Educação, o coronel Jarbas Passarinho. O ministro nega, no livro de Siqueira, que Médici tenha dado ordem para demitir Saldanha. Mas em entrevista publicada pela Fundação Getúlio Vargas Editora, o general e também ex-presidente da República Ernesto Geisel diz: “Médici teve um papel importante nessa vitória (da Copa de 1070), porque influiu na nossa representação, inclusive na escalação da delegação brasileira e na escolha dos técnicos.”

A escalada da crise começou quando surgiu o boato de que Médici queria a convocação de Dario, centroavante do Atlético Mineiro, que não era um jogador com o perfil das “feras do Saldanha” — como era chamada a seleção. “O senhor organiza o seu ministério, e eu organizo o meu time”, respondeu o técnico por meio dos jornalistas. Dias antes, em janeiro de 1970, ele esteve no México para acompanhar o sorteio das chaves da Copa do Mundo de 1970 e disse que havia terríveis torturas no Brasil. “Levei para o México uma pilha de documentos sobre 3 mil e poucos presos, trezentos e tantos mortos e não sei quantos torturados”, afirmou.

O clima ficou pesado. Convidado para um jantar com Médici em Porto Alegre, Saldanha respondeu: “Não vou. O cara matou amigos meus. Tenho um nome a zelar.” O caso terminou com duas sentenças sumárias. “Está dissolvida a comissão técnica”, disse Havelange. “Não sou sorvete para ser dissolvido”, rebateu Saldanha. Franco, ele imediatamente foi ao microfone da Rádio Globo, onde trabalhava, e desancou: “O futebol brasileiro tem tanta força que passará por cima desses homens, covardes e pusilânimes.”

A personalidade forte era uma herança dos pais. Gaspar Saldanha, o pai, além de renomado advogado foi maragato e participou das batalhas contra os chimangos no extremo Sul do Brasil. Era bisneto de Rodriguez Chávez, conhecido como Arredondo, nome de peso na independência do Uruguai. No Acre, o gaúcho que comandou a reconquista daquele espaço, José Plácido de Castro Jobim, era tio-avô materno de João Saldanha — sua mãe chamava-se Jenny Jobim Saldanha. Com esse escopo hereditário correndo nas veias, ele chegou ao Rio de Janeiro, em 1931, trazido pelo pai que participou intensamente da Revolução de 1930 liderada por Getúlio Vargas.

O time do Botafogo de Futebol e Regatas, formado por bons jogadores gaúchos — como Benevenuto, Otacílio, Martim Silveira, Luís de Carvalho, Luís Luz e Benedito — logo atraiu a sua atenção. O futebol na praia — ao lado de nomes conhecidos como Sandro Moreyra (que seria um famoso cronista esportivo), Altthemar Dutra de Castilho (que presidiria o Botafogo), Carlinhos Niemeyer (o criador do Canal 100), Sérgio Porto (que se transformaria no Stanislaw Ponte Preta) e Heleno de Freitas (que seria um genial jogador), treinados pelo não menos famoso Neném Prancha (o filósofo do futebol) — evoluiu para uma carreira no juvenil do Botafogo.

Outra atividade de Saldanha era o curso de direito na Universidade do Distrito Federal (atual UERJ). Em pouco tempo, conheceu os universitários comunistas e se ligou a eles. Logo seria enviado à Europa e às Américas como uma espécie de porta-voz do Partido Comunista do Brasil (então PCB). Em 1938, assistiu a Copa do Mundo na França quando viajava pela Europa como integrante de uma seleção universitária de futebol. De volta ao Brasil, seguiu para Montevidéu a fim de levar dinheiro aos exilados comunistas no Uruguai. De lá, foi para os Estados Unidos e o México. Eram as primeiras tarefas de uma militância intensa que perpassaria sua vida.

Além do futebol e da militância, Saldanha envolveu-se com o carnaval. A carreira de jogador terminou depois de uma séria contusão no tornozelo durante um treino do Botafogo. Trabalhou um período no cartório do pai, não se adaptou e voltou ao clube como dirigente. Mas as viagens em missão política eram constantes. Depois da Segunda Guerra Mundial, aceitou fazer trabalhos para uma agência de notícias sobre o Leste Europeu. Nascia ali o jornalista João Saldanha. No Brasil, foi convidado a escrever na Folha do Povo. Assumiu também a função de secretário-geral da União da Juventude Comunista (UJC).

Ao lado de Apolônio de Carvalho, o presidente da UJC, tocou a política do PCB no movimento estudantil. Foi preso, fichado e solto. No dia 9 de abril de 1949, durante a abertura do I Congresso de Defesa da Paz e da Cultura, desfechou uma cadeirada em um dos policiais que entraram na sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) para empastelar a reunião. Começou um tiroteio e Saldanha foi atingido nas costas — a bala alojou-se em seu pulmão direito. Nessa época, participou também da campanha “O Petróleo é nosso”. Ao mesmo tempo, dedicava-se ao Botafogo. Como diretor de futebol, conquistou o título estadual de 1948.

A perseguição policial aumentou e em 1949 Saldanha fugiu para a Europa. Foi enviado para a Escola de Quadros do Partido Comunista em Praga, na Tchecoslováquia, e seguiu para a China a fim de fazer a cobertura da revolução. Em 1950, a saudade da família e a Copa do Mundo trouxeram Saldanha de volta ao Brasil. Voltou para a Europa e integrou a primeira turma de militantes comunistas que fez o curso de formação de longa duração em Moscou. A convite da Federação Mundial da Juventude Democrática, voltou à China para participar do primeiro aniversário da revolução.

A mesma agência em que trabalhara cobrindo o Leste Europeu após a Segunda Guerra Mundial, convidou Saldanha para enviar notícias da China. Quando se preparava para deixar o país, estourou a Guerra da Coréia e ele correu para lá. Uma cirurgia na China depois de uma crise de apendicite, somada à deficiência pulmonar decorrente do tiro na sede da UNE e agravada pelo tabagismo, fez Saldanha retornar ao Brasil. Por orientação partidária, foi morar na cidade de São Paulo e, entre suas tarefas, escrevia para o jornal Notícias de Hoje.

De São Paulo, estabeleceu ligações com o Partido no Paraná e dirigiu politicamente a revolta camponesa de Porecatu. Um grupo de militantes do Partido na região viajara ao Rio de Janeiro para fazer contato com o deputado comunista Pedro Pomar — que manteve o mandato após a cassação dos parlamentares do PCB, ocorrida em 1948, por ter se elegido pelo PSP — a fim de pedir apoio. Pomar levou o caso à direção partidária, que decidiu enviar Saldanha à região. Sua atuação foi além da orientação política — ele pegou em armas para lutar ao lado dos camponeses. Saldanha também enviava notícias para os jornais e assim o assunto ganhou a mídia.

Em 1953, quando estourou a “Greve dos Trezentos Mil” em São Paulo, Saldanha também estava por trás do movimento. Mas o seu coração botafoguense o levou de volta ao Rio de Janeiro. Em 1956, assumiu o comando técnico do time após a demissão do experiente Zezé Moreira. Treinou e dirigiu “uma máquina de jogar”, como dizia, formada por gênios como Garrincha, Didi e Nilton Santos. Resultado: o Botafogo foi campeão carioca de 1957. O sucesso do time levou o Botafogo a excursionar pelo mundo e a ganhar o apelido, na América Latina, de “La máquina”.

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“Nosso único produto interno bruto que dá é o futebol. Falam no carnaval. Nada disto. Faça um desfile de escolas por semana e no fim de um mês a sociedade brasileira pedirá por amor de Deus para pararem.”

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O futebol brasileiro passava por uma metamorfose, que teria entre outras glórias a conquista da Copa de 1958. Saldanha analisaria esse período em livros que publicaria mais tarde. Em Na Boca do Túnel, escreveu que no final da década de 1950 o futebol evoluía a passos gigantescos. “A capacidade de resistência dos jogadores, sua habilidade com a bola, estão criando situações inteiramente novas em relação às posições clássicas dos sistemas que estão sendo levados de roldão pela prática do jogo. Um jogador, para ser eficiente, tem de saber jogar em várias posições. Tem de saber defender e atacar; e qualquer sistema moderno que pretenda ser eficiente tem de compreender que não pode ser rígido. Estamos mais do que nunca precisando disso. O futebol é arte popular. Não podemos continuar atrasados”, disse.

Saldanha escreveu também, em 1963, o livro Subterrâneos do futebol — título que homenageou seu camarada Jorge Amado, que escrevera Os subterrâneos da liberdade. Em 1959, comentou, pela Rádio Nacional, o campeonato sul-americano disputado em Buenos Aires. Gostou da experiência e resolveu dedicar-se exclusivamente à função de comentarista. Waldir Amaral, ícone do rádio esportivo brasileiro e fã de Saldanha, cunhou slogans que marcariam a nova fase do ex-técnico do Botafogo. “O comentarista realmente técnico” era um deles. Outro, após a Copa de 1970: “O comentarista esportivo que o Brasil inteiro consagrou.”  Seu jeito direto e didático conquistou as torcidas — virou referência para os torcedores que buscavam em sua opinião os esclarecimentos sobre os acontecimentos nos jogos.

Saldanha trabalhou inicialmente na Rádio Guanabara, que fez parte da expansão da Cadeia Verde-amarela (que pertence à Radio Bandeirantes, de São Paulo), com uma fabulosa  equipe de locutores comandada pelo memorável Edson Leite. Depois foi para a Rádio Nacional, que também formou um timaço. Oduvaldo Cozzi, Jorge Cury, Doalcei Bueno de Camargo, Sérgio Paiva, Mário Vianna e Vitorino Vieira eram alguns dos craques que trabalhavam com Saldanha. No livro A Estrela Solitária, biografia de Garrincha escrita por Ruy Castro, o autor diz: “Saldanha revolucionou o comentário sobre futebol. Raspou o ouro parnasiano, de porta da Colombo (confeitaria tradicional do Rio de Janeiro), que caracterizava o gênero, e impregnou-o com o clima de porta de botequim.”

A popularidade do futebol subia pelo elevador. O Brasil ganhara também a Copa de 1962 no Chile e o jornalismo esportivo se especializava. Surgiu, nesse período, a Grande Revista Esportiva Facit, transmitida pela TV Rio, canal 13. Foi a primeira mesa-redonda de futebol exibida pela televisão ao vivo. Saldanha integrou a equipe do programa, que logo cai nas graças das torcidas. Luiz Mendes conta, no livro de Siqueira, que era “uma bíblia dominical do esporte brasileiro”. Faziam parte da Grande Revista Esportiva Facit nomes lendários como Armando Nogueira e Nelson Rodrigues. Em 1966, quando a TV Globo começou a despontar como a poderosa emissora brasileira, o programa foi levado para lá.

Siqueira conta que no rádio e na TV Saldanha ia consagrando palavras e pensamentos muito reais do cotidiano das pessoas. Para analisar os motivos de uma renda baixa, por exemplo, ele dizia: “Sacumé, fim de mês, a moçada tá dura.” Ao mesmo tempo, escrevia, com o mesmo talento, comentários no jornal Última Hora. Durante a Copa de 1966, na Inglaterra, que comentou pela Rádio Nacional, Saldanha concedeu várias entrevistas para emissoras estrangeiras com a mesma franqueza com que falava aos brasileiros. Em uma delas, o entrevistador perguntou o que ele tinha a dizer sobre a matança de índios no Brasil. “Nosso país tem 470 anos de história. Nesses 470 anos, foram mortos menos índios do que em dez minutos de uma guerra provocada por vocês. Os selvagens são vocês”, tascou.

A perda da Copa de 1966 desencadeou uma crise no comando da seleção brasileira. Para surpresa geral do país, o presidente da CBD, João Havelange, convidou Saldanha para assumir o cargo. Em uma crônica no jornal O Globo, Nelson Rodrigues anteviu os passos do novo comandante da seleção. “Estranho mundo em que não se dá um passo sem esbarrar, sem tropeçar, sem pisar nas víboras inumeráveis. (…) Já sabemos que a competência é amargamente antipatizada no futebol brasileiro. Claro, e repito: a competência tira o pão da boca dos idiotas enfáticos e dos aproveitadores vorazes.” De fato, a sordidez espreitava Saldanha.

Siqueira diz que ele pretendia continuar denunciando, agora com mais repercussão, o que estava acontecendo no país. O novo técnico montou um time de “feras” e o sucesso da seleção fez o regime se levantar contra ele. A CBD era uma entidade ligada ao Ministério da Educação e Cultura, ocupada por Jarbas Passarinho, e uma eventual conquista da Copa com Saldanha à frente do selecionado seria um constrangimento para os generais golpistas. Nelson Rodrigues, em sua famosa crônica “João Sem Medo” no jornal O Globo, resumiu a questão: “Um amigo meu, bem-pensante, veio me perguntar: ‘Você acha que o João tem as qualidades necessárias?’ Respondi: ‘Não sei se tem as qualidades necessárias. Mas afirmo que tem os defeitos necessários.’ E, realmente, o querido Saldanha possui defeitos luminosíssimos.”

Um desses “defeitos” era que ele fechava espaços para a ditadura capitalizar a provável conquista do tri. E a mídia, servil ao regime, começou a fustigá-lo. O complô estava armado. Daí para a queda, foi um passo. Depois da turbulenta passagem pelo comando técnico da seleção brasileira, Saldanha continuou escrevendo para o jornal O Globo e comentando na Rádio Globo. Em 1972, começou a fazer o Dois Minutos, na TV Globo, um programa diário sobre futebol e esporte em geral que ia ao ar antes do Jornal Nacional e durou até 1974. Passou por outras emissoras, festejou a volta dos seus camaradas com a anistia, mas nunca deixou o futebol.

Em sua crônica intitulada “Pelo Cano”, publicada dia 23 de março de 1982 no Jornal do Brasil, escreveu: “Nosso único produto interno bruto que dá é o futebol. Falam no carnaval. Nada disto. Faça um desfile de escolas por semana e no fim de um mês a sociedade brasileira pedirá por amor de Deus para pararem.” Apesar da “teimosia siderúrgica” do técnico Telê Santana, vibrou com a seleção de 1982. Voltou à militância política, foi candidato a vice-prefeito da cidade do Rio de Janeiro pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1985 e participou ativamente da redemocratização do país. Morreu na Itália, participando da cobertura da Copa de 1990 pela Rede Manchete de Televisão. Saldanha viveu a vida como ela deve ser vivida. Brigou, namorou, casou várias vezes, escreveu muito e deixou uma bela história para o futebol brasileiro. Jogou com a vida. E ganhou.