Congresso não pode mudar regras internas do STF por meio de PEC, apontam especialistas

Atualizado em 22 de novembro de 2023 às 21:10
Fachada do Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Sérgio Lima

Publicado originalmente no ConJur

Proposta de Emenda à Constituição 8/2021, que limita as decisões monocráticas e os pedidos de vista no Supremo Tribunal Federal, não foi votada pelo Senado nesta terça-feira (21/11), mas vai tramitar de forma acelerada e será o primeiro item da pauta desta quarta (22/11). Juristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico consideram que o Congresso não pode definir regras do tipo, pois são próprias do Judiciário.

O texto proíbe a concessão de decisões monocráticas que suspendam a eficácia de leis ou atos normativos com efeito geral ou que anulem atos dos presidentes da República, da Câmara, do Senado ou do Congresso. A PEC ainda estabelece que os pedidos de vista só podem ser coletivos e devem durar até seis meses — com a possibilidade de uma única renovação de, no máximo, três meses.

O ministro aposentado e ex-presidente do STF Celso de Mello, que já tinha comentado o tema em artigo publicado pela ConJur, considera que a PEC 8/2021 é “altamente questionável, sob perspectiva estritamente constitucional”, pois pretende “regular matérias protegidas por cláusula pétrea” — especialmente a separação dos poderes.

Celso de Mello, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Carlos Moura

Ele aponta que “o poder reformador do Congresso Nacional não autoriza nem legitima o desrespeito às cláusulas pétreas ou cláusulas de salvaguarda do núcleo irreformável da Constituição”.

Celso lembra que a Constituição “claramente separa e distingue, em tema de produção normativa”, a atuação do Legislativo, por meio de projetos de lei, PECs e outras proposições; e a atuação do Judiciário, por meio da edição do regimento interno dos tribunais. Ou seja, os órgãos do Judiciário têm uma função legislativa, restrita às suas regras internas.

“É, portanto, a própria Constituição que delimita o campo de incidência da atividade legislativa, vedando ao Congresso Nacional a edição de normas que visem a disciplinar matéria que a Constituição reservou, com exclusividade, à competência normativa dos tribunais”, discorre.

Assim, o Congresso, embora possa aprovar PECs, “sofre limitações materiais explícitas que lhe restringem a competência para reformar o texto constitucional”. Isto é, não pode “regular matérias pertinentes ao funcionamento do STF e a temas sujeitos ao exclusivo domínio normativo do regimento interno da Corte”.

Para o ministro, a violação dessas limitações configura “esdrúxula hipótese de arbitrária (e inconcebível) dominação parlamentar sobre o STF”. Emendas como a que pode surgir da PEC 8/2021 ofendem temas protegidos por cláusulas pétreas da Constituição, como a autonomia institucional dos tribunais, a reserva constitucional de regimento e a separação de poderes. Por isso, “qualificam-se como atos eivados do vício insanável da ilegitimidade constitucional”.

O jurista Lenio Streck diz que a limitação das liminares “é matéria de Regimento Interno do STF”, e não de emenda constitucional. “As autoridades têm de se dar conta de que possuem responsabilidade politica. E têm de ter autocontenção. Em nome da estabilidade. Não é o que parece estar havendo”, completa.

De acordo com ele, “o Brasil vem se especializando em criar um backlash tupiniquim” — ou seja, “quando um poder não gosta de uma lei ou de uma decisão, dá o troco. E por vezes ocorre o efeito bumerangue”.

Na sua avaliação, a ministra aposentada Rosa Weber — que foi presidente do STF entre setembro de 2022 e setembro deste ano —, “no apagar das luzes, montou uma pauta de seu interesse biográfico”, mas não combinou com o Parlamento. “Isso ligou o motor do backlash“, prossegue. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), “entra na onda e ajuda a fabricar a crise”.

Já Pedro Serrano disse, por meio da rede social X (antigo Twitter), que a PEC “tem pouco efeito prático” e “não visa, de fato, nada corrigir na jurisdição”, mas apenas “serve como veículo de ataque ao Supremo e, portanto, à própria democracia”. Para ele, “não é o momento de debates sobre o funcionamento do STF, mesmo que corretos no mérito”.

Por outro lado, o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron entende que “uma PEC pode, sim, disciplinar essa matéria”, porque “a Constituição regra o funcionamento dos poderes. Não precisaria ser o constituinte originário para disciplinar isso”.

“É ruim que isso se dê agora. É ruim que isso se dê em um contexto em que o STF foi o fiel da balança para a afirmação da democracia no Brasil”, continua. “Mas, em tese, por meio de PEC, sim, me parece possível”.

O ex-presidente da OAB e ex-deputado federal José Roberto Batochio defende o posicionamento de Toron. Segundo ele, o Congresso pode modificar normas procedimentais e dispor sobre competências do STF, respeitadas as cláusulas pétreas. “A soberania ainda é do Povo, exercem-na os seus representantes. Não nos esqueçamos de que já o fez a Emenda Constitucional 45“, diz.

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