Conselho Nacional do Ministério Público arquiva processo sobre financiamento de propaganda da Lava Jato por um laranja

Atualizado em 17 de julho de 2019 às 15:45
O painel em auto louvor na rota de saída do aeroporto de Curitiba que virou alvo da polêmica (Imagem: reprodução)

POR JOSÉ CÁSSIO

Um outdoor instalado em março deste ano nas proximidades do Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, em comemoração aos cinco anos da Lava Jato, tem potencial para causar mais estragos à Operação que os vazamentos anunciados nesta semana pelo Intercept em parceria com o jornalista Reinaldo Azevedo informando que o procurador Deltan Dallagnol solicitou recursos públicos ao então juiz Sergio Moro para a produção de um filme sobre as 10 Medidas Contra a Corrupção.

É que a peça, conforme os autos, foi financiada por um laranja-fantasma – e pior: o caso acabou arquivado pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

Atendendo a um pedido de providência para saber quem seriam os financiadores, o relator do CNMP, Luiz Fernando Bandeira de Mello, solicitou informações à empresa Outdoor Mídia, responsável pela instalação do painel.

A informação prestada, de que o serviço foi contratado pelo microempresário João Carlos Queiroz Barboza, no entanto, não procede.

“Fui chamado na Polícia Federal e já prestei os esclarecimentos”, disse João Carlos ao DCM. “Não tenho envolvimento com política, não acompanho o trabalho dos procuradores e não contratei serviço nenhum. Se usaram o meu nome, eles que expliquem. Da minha parte, está tudo esclarecido”.

Para arquivar o processo, o procurador Bandeira de Mello alega que aceitou os documentos fornecidos pela empresa de locação do outdoor.

“Preliminarmente ao exame do pedido liminar, a OUTDOORMIDIA LOCACAO DE ESPACOS PARA PUBLICIDADE EIRELI foi oficiada para apresentar cópia do contrato celebrado para a divulgação do outdoor citado nos autos, o que foi cumprido pela empresa”, escreveu o procurador em seu despacho (veja cópia abaixo).

Antes de decidir pelo arquivamento, Bandeira de Mello ressaltou que os membros da Lava Jato não tiveram participação.

“Como restou esclarecido pela cópia do contrato, a publicidade não foi contratada por nenhum membro do Ministério Público. Também não apontaram os requerentes indício de que algum membro ministerial tenha de qualquer forma participado ou consentido com a disponibilização do painel, não havendo, portanto, nenhuma conduta a se investigar em âmbito disciplinar pela Corregedoria Nacional. Ante o exposto, determino o ARQUIVAMENTO”.

Além de indicar alguém que negou a autoria da contratação à Polícia Federal, a justificativa encaminhada e aceita pelo relator do CNMP traz outra informação inusitada: o endereço apontado como sendo o de João Carlos Queiroz Barboza, segundo o Google Maps, é o de uma igreja evangélica de corrente Batista, a mesma frequentada pelo procurador e a principal estrela do painel, Deltan Dallagnol.

A igreja evangélica, de orientação Batista, a mesma de Dallagnol, que consta no endereço fornecido pela Outdoor Midia ao procurador Fernando Bandeira de Mello (Imagem: reprodução Google Maps)

Instalado na saída do Aeroporto, o outdoor traz a colagem de uma foto dos procuradores sobre uma estilização da bandeira do Brasil, dando boas-vindas a quem chega a capital do Paraná.

“Bem-vindo à República de Curitiba — terra da Operação Lava Jato, a investigação que mudou o país. Aqui a lei se cumpre”, propagandeia a peça publicitária.

O DCM também procurou o Coletivo Advogados a Advogadas pela Democracia (CAAD) — grupo que assina a petição ao CNMP.

A advogada Tânia Mandarino se mostrou surpresa com a informação de que João Carlos Queiroz Barboza negou que tivesse sido o autor da contratação do serviço. E considerou grave o arquivamento do processo pelo relator Fernando Bandeira de Mello.

“É grave o fato que se apresenta com a indicação de um falso contratante pela Outdoor Mídia e bastante estranho que o Conselheiro Relator do pedido de providências junto ao CNMP tenha determinado o arquivamento do feito sem ao menos intimar a pessoa indicada, para confirmar a suposta contratação do outdoor”, disse a advogada.

Segundo ela, a partir dessa informação obtida pelo DCM, será pedido o desarquivamento dos autos junto ao Conselho Nacional do Ministério Público. “Principalmente agora que se sabe que o procurador Deltan Dallagnol pedia dinheiro público a Moro para realizar suas produções em auto louvor”, diz Tânia Mandarino.

O caso, bastante popular em Curitiba, voltou a sacudir a página de Deltan Dallagnol no Twitter.

Após encontro com a procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, nesta terça (16), o procurador da Lava Jato escreveu em sua página comemorando.

“O apoio continua com recursos e com a estrutura que permitam que a produção processual tenha prosseguimento. A qualidade do trabalho feito é indiscutível”, escreveu Deltan.

“Sabe nos dizer quem pagou o outdoor de louvação a vcs que ficou a caminho do aeroporto em março e abril? Será que ainda tem recursos de troco para essas peças publicitárias?”, perguntou um internauta.

Internauta pergunta a Dallagnol após ele comemorar no Twitter o encontro com a procuradora Raquel Dodge

Comprovado que foi indicado um laranja-fantasma como contratante, a pergunta que se impõe é, segundo o Coletivo de Advogados e Advogadas pela Democracia.

“Teria sido, também, essa peça publicitária, instalada com dinheiro público oriundo da 13ª Vara Federal de Curitiba? Quem é o laranja, afinal, o baterista Queiroz ou a Outdoor Mídia?”, quer saber Tânia Mandarino.