“Contra estado laico”: Câmara acelera criação da bancada cristã e provoca críticas

Atualizado em 23 de outubro de 2025 às 8:50
Criação da Bancada Cristã foi celebrada com culto ecumênico na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira 22. Foto: Reprodução

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (22), por 398 votos a 30, o regime de urgência para o projeto que cria oficialmente a bancada cristã na Casa. A decisão permite que a proposta seja votada diretamente em plenário, sem passar por comissões temáticas. Ainda não há data definida para a votação.

Horas antes da votação, o plenário 2 da Câmara foi transformado em um “santuário” para um culto ecumênico promovido por parlamentares católicos e evangélicos, em celebração ao anúncio da nova bancada.

Sob a liderança do deputado e pastor Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), o evento reuniu cerca de quinze parlamentares e contou com orações e cânticos.

Na semana anterior, um culto semelhante havia terminado com cânticos pedindo anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, em uma cena que parecia mais um comício do que um momento de fé.

Crivella conduziu uma “oração-canção” que citava nominalmente alguns condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como a “bolsonarista do batom na estátua” e a “idosa da Bíblia na mão”.

Estrutura e prerrogativas

O texto que cria a bancada cristã estabelece uma coordenação-geral e três vice-coordenadorias. A adesão será feita por autodeclaração, bastando que o deputado afirme professar a fé cristã.

Com o reconhecimento formal, o grupo passará a ter direito a voz e voto no colégio de líderes da Câmara e cinco minutos semanais de fala em plenário. Segundo o projeto, o objetivo é “dar expressão à posição dos parlamentares cristãos da Casa quanto à votação de proposições e ao conhecimento das ações de interesse da Bancada”.

A proposta foi apresentada por Gilberto Nascimento (PSD-SP), presidente da Bancada Evangélica, e Luiz Gastão (PSD-CE), presidente da Frente Parlamentar Católica.

“O Brasil é reconhecidamente uma nação de maioria cristã, com mais de 80% de sua população professando a fé cristã, conforme os dados mais recentes do IBGE. Tal realidade social deve encontrar correspondência na representação política e no espaço democrático da Câmara Federal”, justificaram os autores.

Defesa do estado laico

A aprovação da urgência gerou reação de partidos da base governista, como PT e PSOL, que classificaram a proposta como inconstitucional por violar o princípio do estado laico.

“Institucionalizar a bancada de uma, duas ou três denominações religiosas e não de todas é institucionalizar um privilégio, o que é vedado pelo estado laico”, afirmou o deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ).

A líder do PSOL, Talíria Petrone (RJ), também criticou a iniciativa: “Ter uma bancada cristã com voz e voto no colégio de líderes rompe com a lógica do estado laico. Nós vamos ter também a bancada do candomblé? A bancada de religiões de matriz africana?”.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o tema ainda será amplamente discutido antes de ser pautado para votação final. “Procuraremos conduzir com muita responsabilidade a questão do mérito antes de trazer a matéria ao plenário. A questão será amplamente debatida”, disse.