COP30: Belém sediará a disputa pelo futuro do multilateralismo climático

Entre o fortalecimento da cooperação global e as pressões do mercado, a Conferência na Amazônia testará a capacidade das nações de implementar acordos históricos enquanto a Cúpula dos Povos apresenta soluções territoriais

Atualizado em 18 de outubro de 2025 às 13:14
Toten da Cop-30. Foto:reprodução

Por Gabriel Siqueira

Em 2025, o mundo voltará seus olhos para Belém, no coração da Amazônia, onde se realizará a 30ª Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Para além da infraestrutura bilionária que transforma a cidade, o que está verdadeiramente em jogo é a capacidade da humanidade de fortalecer o multilateralismo em um momento de profunda crise geopolítica.

Para quem não acompanha as negociações climáticas, “COP” é a sigla para Conferência das Partes, o encontro anual onde quase 200 países, sob o guarda-chuva da ONU, deliberam sobre as ações coletivas para salvar o planeta da catástrofe climática. É o órgão máximo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), um tratado nascido no Brasil, durante a histórica Rio-92. Foi lá, em 1992, que se consagrou um princípio fundamental: o das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, que cobra mais de quem poluiu mais.

Brasil assume liderança diplomática

Três décadas depois, o encontro global volta ao Brasil em um momento dramático para o mundo. O país apresentou sua NDC 3.0 (Contribuição Nacionalmente Determinada), propondo a redução das emissões líquidas de gases de efeito estufa entre 59% e 67% até 2035, em comparação com os níveis de 2005 – o que significará a diminuição de 850 milhões a 1,5 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera.​

“Somos o exemplo de que a transição energética é factível e rentável”, declarou o presidente em exercício Geraldo Alckmin, destacando que mais de 80% da matriz elétrica brasileira já provém de fontes renováveis, enquanto a média global de países com 50% de energia limpa alcança apenas 69 nações.​

A presidência brasileira da COP30, comandada pelo embaixador André Corrêa do Lago, estabeleceu três objetivos centrais: reforçar o multilateralismo e o regime de mudança do clima no âmbito da UNFCCC; conectar o regime climático à vida real das pessoas; e acelerar a implementação do Acordo de Paris.​

Estudantes em ato para chamar atenção de políticos durante a COP-30. Foto: Estadão

Os Círculos da Presidência

Para mobilizar ações concretas, a presidência brasileira criou quatro Círculos temáticos que articulam atores públicos, privados, comunitários e internacionais:

O Círculo de Finanças, liderado pelo ministro Fernando Haddad, trabalha na construção do Roteiro Baku-Belém para viabilizar US$ 1,3 trilhão em financiamento climático aos países em desenvolvimento.​

O Círculo dos Povos, representado pela ministra Sônia Guajajara, promete “a maior e melhor COP em participação indígena na história”, com a maior delegação credenciada na zona azul.

O “Círculo de Presidentes” será comandado pelo ex-ministro de Relações Exteriores da França (2012-2016), Laurent Fabius, que presidiu a COP21 e reunirá, pela primeira vez, os presidentes das COPs anteriores de clima desde a COP21, que adotou o Acordo de Paris, em 2015. O trabalho deles está focado no fortalecimento da governança climática global e na aceleração da implementação do Acordo de Paris.

Já o Balanço Ético Global (BEG), liderado pelo presidente Lula e pelo secretário-geral da ONU António Guterres, realizou seis diálogos regionais ao redor do mundo para conectar a sociedade civil às decisões políticas.​

“Que a COP30 possa se constituir como o grande mutirão da implementação dos acordos até aqui alcançados”, afirmou Marina Silva, expressando a ambição de que a conferência “entre para a história das COPs como a base fundante de um novo marco referencial” capaz de evitar “os pontos de não retorno: tanto do clima quanto do multilateralismo climático”.​

A Cúpula dos Povos: soluções territoriais

Paralelamente à conferência oficial, a Cúpula dos Povos pela Justiça Climática reunirá em Belém cerca de 20 mil pessoas entre 12 e 16 de novembro. Este espaço autônomo não é um evento reativo, mas herdeiro de uma longa linhagem de luta. Sua origem remonta ao Fórum Global da Eco-92, quando a sociedade civil mundial se reuniu no Aterro do Flamengo para construir um contraponto vibrante à conferência oficial.

A Cúpula dos Povos da COP30 bebe dessa fonte, uma semente que também foi regada pelo espírito dos Fóruns Sociais Mundiais, que no início dos anos 2000 articulam a solidariedade internacional entre os povos de resistência sob o lema “Um Outro Mundo é Possível”.

A Cúpula dos Povos da COP30 é a continuação dessa mesma batalha: a que opõe as soluções de mercado, como os créditos de carbono — vistas como uma perigosa distração —, às soluções reais que brotam dos territórios.​

Enquanto as “Partes” oficiais são os Estados-nação, as “partes” da Cúpula são o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), a Marcha Mundial das Mulheres e centenas de outras organizações que vivem a crise na pele. Como afirma Araê Cupim, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, “a COP não é feita por nós e nem para nós. As negociações estão mais preocupadas em viabilizar o mercado de carbono do que em escutar os verdadeiros afetados”.

A agenda da Cúpula é radical porque é real. Ela afirma que não há solução climática sem justiça territorial, sem reforma agrária popular, sem soberania alimentar e sem o fim do racismo ambiental que condena corpos negros e indígenas às piores consequências.

Encruzilhada amazônica

A COP30 acontece em um contexto de pressões contraditórias. Por um lado, o investimento global em energia limpa ultrapassou US$2 trilhões em 2024. Por outro, persistem desafios estruturais. A presença massiva de lobistas da indústria fóssil em edições anteriores das COPs continua sendo alvo de críticas. Além disso, questões como a especulação imobiliária em Belém – com relatos de aumentos de até dez vezes nos preços de hospedagem – ameaçam limitar a participação de delegações de países em desenvolvimento e da sociedade civil.​ Com investimentos que ultrapassaram R$ 6 bilhões em obras de mobilidade urbana, saneamento, habitação e turismo, a preparação para o megaevento aprofunda um “processo histórico excludente”, onde a cidade se maquia para os estrangeiros enquanto ignora seus próprios povos.

A escolha de Belém, no coração da Amazônia, pode representar uma virada, colocando a floresta não como cenário passivo, mas como protagonista das soluções e palco do multilateralismo. Todos concordam que a crise é global e exige respostas conjuntas. Acordos como o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris foram vitórias da cooperação. Mas, na prática, o que se vê é um avanço lento, metas pífias e a influência descarada da indústria de petróleo e gás, cujos lobistas superam em número as delegações de muitos países vulneráveis. Não à toa, a própria Ministra do Meio Ambiente e da Mudança Climática, Marina Silva, afirmou: “O que está em jogo na COP30, além da agenda de negociação, de ação e de mobilização, é o multilateralismo climático”.

A escolha de Belém como sede representa mais que simbolismo. Colocar a Amazônia no centro das negociações é reconhecer que a floresta e seus povos são protagonistas indispensáveis de qualquer solução climática real. O Brasil tem a oportunidade histórica de liderar pelo exemplo, demonstrando que desenvolvimento econômico, justiça social e proteção ambiental podem caminhar juntos.​

A COP30 será, portanto, um teste decisivo: conseguirá a comunidade internacional fortalecer a cooperação multilateral e acelerar a implementação dos acordos existentes? As vozes dos territórios serão verdadeiramente incorporadas às decisões? A resposta que vier de Belém em novembro de 2025 definirá não apenas o futuro da diplomacia climática, mas a própria viabilidade de evitarmos os pontos de não retorno da crise planetária.

*Sobre o autor
Gabriel Siqueira é jornalista, analista de dados e doutorando em Administração pela UFSC. Com mais de 20 anos de experiência em organizações socioambientais, combina jornalismo investigativo e narrativas baseadas em dados para dar visibilidade a temas de justiça climática e sustentabilidade. Atualmente, colabora com a Global Citizen, cobrindo comunidades tradicionais da Amazônia, e atua como Analista de Dados no projeto “Na Mesa da COP30” pelo Instituto Regenera. Foi também Diretor de Comunicações da Global Ecovillage Network (GEN), onde liderou a cobertura de múltiplas Conferências Climáticas da ONU.